- – Ressurreição e reencarnação
- – Laços de família, fortalecidos pela reencarnação e rompidos pela unicidade da existência
- – INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Limites da encarnação
- – Necessidade da encarnação
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
1. Jesus, tendo vindo aos arredores de Cesareia de Filipe, interrogou seus discípulos lhes dizendo: O que os homens dizem com relação ao Filho do Homem? Quem eles dizem que eu sou? — Eles lhe responderam: Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; alguns mais, que és Jeremias ou algum dos profetas. — Jesus lhes indagou: E vocês, quem vocês dizem que eu sou? — Simão Pedro, tomando a palavra, lhe disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. — Jesus lhe replicou: “Bem-aventurado é você, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne e o sangue que te revelaram isso, mas meu Pai, que está nos céus. (São Mateus, 16: 13 a 17; são Marcos, 8: 27 a 30)
2. Entretanto, Herodes, o tetrarca, ouviu falar de tudo o que Jesus fazia, e seu espírito ficou apreensivo, porque uns diziam que João Batista ressuscitara dentre os mortos; outros, que Elias havia aparecido, e outros mais, que um dos antigos profetas tinha ressuscitado. Então Herodes disse: Eu mandei cortar a cabeça de João; então quem é esse de quem ouço dizer tão grandes coisas? E ficou com vontade de vê-lo. (São Marcos, 6: 14 a 15; são Lucas, 9: 7 a 9)
3. (Após a transfiguração) Seus discípulos então o interrogaram lhe dizendo: Por que então os escribas dizem que é preciso que Elias venha primeiro? — Mas Jesus lhes respondeu: É verdade que Elias há de vir e restabelecer todas as coisas; mas eu declaro a vocês que Elias já veio, e eles não o reconheceram e o trataram como bem como o quiseram. É assim que eles farão sofrer o Filho do Homem. — Então os discípulos compreenderam que era de João Batista que ele lhes havia falado. (São Mateus, 17: 10 a 13; são Marcos, 9: 11 a 13)17
Ressurreição e reencarnação
4. A reencarnação fazia parte dos dogmas judeus, sob o nome de ressurreição; somente os saduceus (que pensavam que tudo termina com a morte) não acreditavam nisso. As ideias dos judeus acerca desse ponto — como de muitos outros — não eram claramente definidas, porque eles só tinham noções vagas e incompletas sobre a alma e da sua ligação com o corpo. Eles acreditavam que um homem que tinha vivido podia reviver, sem saberem precisamente de que maneira isso deveria ocorrer; designaram pela palavra ressurreição aquilo que o espiritismo chama mais acertadamente de reencarnação. Com efeito, a ressurreição pressupõe o retorno à vida do corpo que já está morto, o que a ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já estão desde muito tempo dispersos e absorvidos. A reencarnação é o retorno da alma — ou Espírito — à vida corpórea, mas em outro corpo, novamente formado para ele e que nada tem em comum com o corpo anterior. O termo ressurreição podia assim ser aplicada a Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas. Se, portanto, segundo a crença deles, João Batista era Elias, o corpo de João não podia ser o de Elias, já que João tinha sido visto como criança e seus pais eram conhecidos. Logo, João podia ser Elias reencarnado, mas não ressuscitado.
5. Ora, havia um homem entre os fariseus, chamado Nicodemos, senador dos judeus, que certa noite veio se encontrar com Jesus, e lhe disse: Mestre, sabemos que o senhor veio da parte de Deus para nos instruir, como um doutor, pois ninguém poderia fazer os milagres que o senhor faz se Deus não estivesse com ele.
Jesus lhe respondeu: Em verdade, em verdade eu te digo: Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo.
Nicodemos lhe disse: Como um homem pode nascer, já sendo velho? Por acaso ele pode tornar a entrar no ventre de sua mãe para nascer uma segunda vez?
Jesus lhe respondeu: Em verdade, em verdade eu te digo: Se um homem não renasce da água e do Espírito, ele não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não fique admirado por eu te ter dito que é preciso que vocês nasçam de novo. O Espírito sopra onde quer, e vocês ouvem a sua voz, mas não sabem de onde ele vem nem para onde vai; o mesmo acontece com todo homem que é nascido do Espírito.
Nicodemos lhe respondeu: Como isso pode ser feito? — Jesus lhe disse: O quê?! Você é um mestre em Israel e ignora essas coisas? Em verdade, em verdade eu te digo que nós não dizemos senão o que nós sabemos e só damos testemunho do que temos visto; e, no entanto, vocês não aceitam o nosso testemunho. Mas, se vocês não creem em mim quando eu lhes falo das coisas da Terra, como acreditarão em mim quando eu lhes falar das coisas do céu? (São João, 3: 1 a 12)
6. A ideia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam reviver na Terra se encontra em muitas passagens dos Evangelhos, principalmente naquelas recém-relatadas (itens 1 a 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não teria deixado de combatê-la, como combateu tantas outras; longe disso, ele a sanciona com toda a sua autoridade e a colocou como um princípio e uma condição necessária, quando diz: Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo; e insiste, acrescentando: Não fique admirado por eu te ter dito que É PRECISO que vocês nasçam de novo.
7. Estas palavras “Se um homem não renasce da água e do Espírito” têm sido interpretadas no sentido da regeneração pela água do batismo; mas o texto primitivo trazia simplesmente: “Não renasce da água e do Espírito”, ao passo que em algumas traduções a expressão “do Espírito” foi substituída por: “do Santo Espírito” — o que já não corresponde ao mesmo pensamento. Esse ponto capital ressalta dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, assim como um dia será constatado sem nenhum equívoco cabível.18
8. Para compreendermos o sentido verdadeiro dessas palavras, é preciso igualmente nos dirigirmos à significação do termo água, que ali não foi empregado na sua acepção própria.
Os conhecimentos dos antigos sobre as ciências físicas eram muito imperfeitos; eles acreditavam que a Terra havia saído das águas e por isso consideravam a água como o elemento gerador absoluto; tanto é que no Gênesis se lê: “O Espírito de Deus era levado sobre as águas; flutuava sobre as águas. — Que o firmamento seja feito no meio das águas. — Que as águas que estão debaixo do céu se reúnam em um só lugar e que apareça o elemento árido. — Que as águas produzam animais vivos que nadem na água e pássaros que voem sobre a terra e sob o firmamento”.19
Segundo essa crença, a água havia se tornado o símbolo da natureza material, como o Espírito era o símbolo da natureza inteligente. Estas palavras: “Se o homem não renasce da água e do Espírito, ou em água e em Espírito”, então significam: “Se o homem não renasce com seu corpo e sua alma”. É nesse sentido que foram compreendidas desde o princípio.
Aliás, tal interpretação se justifica por estas outras palavras: O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Aqui Jesus estabelece uma distinção concreta entre o Espírito e o corpo. O que é nascido da carne é carne indica claramente que só o corpo procede do corpo, e que o Espírito é independente do corpo.
9. “O Espírito sopra onde quer; vocês ouvem a sua voz, mas não sabem nem de onde ele vem nem para onde ele vai” pode ser entendido como: O Espírito de Deus, que dá a vida a quem ele quer, ou como: a alma do homem; nesta última acepção, “vocês não sabem de onde ele vem nem para onde ele vai” significa que ninguém conhece nem o que foi nem o que será o Espírito. Se o Espírito — ou a alma — fosse criado ao mesmo tempo que o corpo, então nós saberíamos de onde ele vem, pois conheceríamos o seu começo. Em todo caso, essa passagem é a consagração do princípio da preexistência da alma e, por conseguinte, o da pluralidade das existências.
10. Ora, desde o tempo de João Batista até a atualidade, o reino dos Céus é tomado pela violência e são os violentos que se apoderam dele; pois, até João, todos os profetas, assim como a lei, profetizaram; e se querem saber o que eu lhes digo, ele mesmo é o Elias que há de vir. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. (São Mateus, 11: 12 a 15)
11. Se o princípio da reencarnação expresso em João podia, a rigor, ser interpretado em sentido puramente místico, já não seria o mesmo com esta passagem de são Mateus, que está sem equívoco possível: ELE MESMO é o Elias que há de vir. Aqui, não há nem figuração nem alegoria: é uma afirmação concreta. — “Desde o tempo de João Batista até a atualidade, o reino dos céus é tomado pela violência.” O que essas palavras significam, visto que João Batista ainda estava vivo naquele momento? Jesus as explica, dizendo: “Se querem saber o que eu digo, ele mesmo é o Elias que há de vir.” Ora, João não sendo outro senão o próprio Elias, Jesus faz alusão à época em que João vivia com o nome de Elias. “Até o presente, o reino dos céus é tomado pela violência” é outra alusão à violência da lei mosaica, que ordenava o extermínio dos infiéis a fim de ganhar a Terra Prometida, Paraíso dos Hebreus, ao passo que, segundo a nova lei, o céu é ganho pela caridade e pela brandura.
Depois, ele acrescenta: Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. Essas palavras — tantas vezes repetidas por Jesus — dizem claramente que nem todo mundo estava em condições de compreender certas verdades.
12. Aqueles do vosso povo que foram mortos viverão de novo; aqueles que morreram em meio a mim ressuscitarão. Despertem do seu sono e cantem os louvores a Deus, vocês que habitam no pó; porque o orvalho que tomba sobre vocês é um orvalho de luz e porque vocês arruinarão a Terra e o reino dos gigantes. (Isaías, 26: 19)
13. Esta passagem de Isaías também é toda explícita: “Aqueles do vosso povo que foram mortos viverão de novo”. Se o profeta quisesse ter falado da vida espiritual, se quisesse ter falado que aqueles que tinham sido mortos não estavam mortos em Espírito, então ele teria dito: ainda vivem, e não: viverão de novo. No sentido espiritual, essas palavras seriam um contrassenso, pois implicariam uma interrupção na vida da alma. No sentido de regeneração moral, elas seriam a negação das penas eternas, já que elas estabelecem o princípio de que todos aqueles que estão mortos reviverão.
14. Mas quando o homem morre uma vez, quando seu corpo, separado do seu espírito, é consumido, o que acontece com ele? — Uma vez tendo morrido o homem, poderia ele reviver de novo? Nessa guerra em que me acho todos os dias da minha vida, eu espero que chegue a minha mutação. (Jó, 14: 10, 14. Tradução de Lemaistre de Sacy.)
Quando o homem morre, ele perde toda a sua força, ele expira; depois, onde está ele? — Se o homem morre, reviverá? Esperarei todos os dias do meu combate, até que chegue alguma mutação? (Idem. Tradução protestante de Osterwald.)
Quando o homem está morto, ele vive sempre; acabando os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei de novo. (Idem. Versão da Igreja grega.)
15. O princípio da pluralidade das existências está claramente expresso nessas três versões. Ninguém poderá supor que Jó quis falar da regeneração pela água do batismo, que certamente ele não conhecia. “Uma vez tendo morrido o homem, poderia ele reviver de novo?” A ideia de morrer uma vez e de reviver implica a de morrer e reviver várias vezes. A versão da Igreja grega é ainda mais explícita, se é que isso é possível: “Acabando os dias da minha existência terrestre, eu esperarei, porque a ela voltarei de novo”, quer dizer, voltarei à existência terrena. Isso é tão claro quanto se alguém dissesse: “Eu saio da minha casa, mas a ela voltarei.”
“Nessa guerra em que me encontro todos os dias da minha vida, eu espero que chegue a minha mutação.” Jó evidentemente quis se referir à luta que sustentava contra as misérias da vida; ele espera a sua mutação, isto é, que ele se resigne. Na versão grega, esperarei parece mais se aplicar à nova existência. “Quando a minha existência estiver acabada, eu esperarei, porque a ela voltarei.” Jó parece se colocar, após a morte, no intervalo que separa uma existência de outra, e diz que lá aguardará o seu retorno.
16. Não há dúvidas, portanto, de que, sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação era uma das crenças fundamentais dos judeus, e que foi confirmado por Jesus e pelos profetas de maneira formal; donde se segue que negar a reencarnação é negar as palavras do Cristo. Suas palavras um dia serão autoridade sobre este ponto, assim como sobre muitos outros, quando forem meditadas sem preconceitos.
17. Mas a essa autoridade, do ponto de vista religioso, vem se juntar, do ponto de vista filosófico, a das provas que resultam da observação dos fatos; quando dos efeitos se quer remontar às causas, a reencarnação aparece como uma necessidade absoluta, como condição inerente à humanidade; numa palavra, como uma lei da natureza. Pelos seus resultados, ela se revela de uma maneira — por assim dizer — material, como o motor oculto se revela pelo movimento. Só a reencarnação pode dizer ao homem de onde ele vem, para onde vai, por que está na Terra, e justificar todas as anomalias e todas as injustiças aparentes que a vida apresenta.20
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, a maioria das máximas do Evangelho são ininteligíveis; é por isso que elas têm dado margem a interpretações tão contraditórias; esse princípio é a chave que deve lhes restituir o verdadeiro sentido.
Laços de família, fortalecidos pela reencarnação e rompidos pela unicidade da existência
18. Os laços de família não são destruídos pela reencarnação, como algumas pessoas pensam; ao contrário, eles são fortalecidos e apertados: o princípio oposto é que os destrói.
Os Espíritos formam no espaço grupos ou famílias unidos pela afeição, pela simpatia e pela similaridade das tendências; felizes por estarem juntos, esses Espíritos procuram uns aos outros. A encarnação só os separa momentaneamente, pois, após seu retorno à erraticidade, eles se reencontram como amigos que retornam de uma viagem. Muitas vezes, inclusive, eles seguem juntos numa encarnação, na qual ficam reunidos numa mesma família ou num mesmo círculo de amizade, trabalhando unidos pelo seu mútuo avanço. Se uns estão encarnados e outros não, nem por isso deixam de estar unidos pelo pensamento; aqueles que estão livres velam pelos que estão em cativeiro; os mais adiantados se esforçam para ajudar os retardatários a progredirem. Após cada existência, eles dão mais um passo no caminho da perfeição; cada vez menos apegados à matéria, sua afeição é mais forte, pela mesma razão de ela ser mais purificada e não ser atrapalhada pelo egoísmo, nem pelas sombras das paixões. Portanto, eles podem percorrer juntos um número ilimitado de existências corporais sem causar nenhum dano à mútua afeição entre eles.
Está bem entendido que aqui se trata de afeição real, de alma para alma, única que sobrevive à destruição do corpo, pois os seres que se unem neste mundo apenas pelos sentidos não têm nenhum motivo para se procurarem no mundo dos Espíritos. Não há afetos duráveis senão os espirituais; os afetos carnais se extinguem com a causa que lhes originou; ora, essa causa deixa de existir no mundo dos Espíritos, enquanto a alma existe sempre. Quanto às pessoas que se unem somente por motivo de interesse, essas realmente não significam nada umas para as outras: a morte as separa na Terra e no céu.
19. A união e a afeição que existem entre parentes são o indício da simpatia anterior que os aproximou; assim se diz ao falar de uma pessoa cujo caráter, gostos e inclinações não têm nenhuma semelhança com os dos seus parentes mais próximos, que ela não é da família. Dizendo isso, enuncia-se uma verdade maior do que se imagina. Deus permite essas encarnações de Espíritos antipáticos ou estranhos numa mesma família, com o duplo objetivo de servir de provação para uns, e de progresso para outros. Então, os maus se melhoram pouco a pouco através do contato dos bons e pelos cuidados que recebem destes; seu caráter se abranda, seus costumes se requalificam, as antipatias se apagam: é assim que se estabelece a fusão entre as diferentes categorias de Espíritos, como ela se estabelece na Terra entre as raças e os povos.
20. O temor do aumento indefinido da parentela em consequência da reencarnação é um temor egoísta, que demonstra que não se sente um amor bastante amplo para abranger um grande número de pessoas. Por acaso um pai que tem muitos filhos os ama menos do que amaria se tivesse só um? Mas, que os egoístas se tranquilizem, pois esse temor não tem fundamento. Do fato de um homem ter tido dez encarnações, não significa que ele vá encontrar no mundo dos Espíritos dez pais, dez mães, dez mulheres e um número proporcional de filhos e de parentes novos; lá ele sempre encontrará os mesmos que foram objeto da sua afeição, a quem esteve ligado na Terra, por diversas títulos, e talvez sob o mesmo título.
21. Vejamos agora as consequências da doutrina da não reencarnação. Essa doutrina necessariamente anula a preexistência da alma; sendo as almas criadas ao mesmo tempo que o corpo, não existe entre elas nenhum laço anterior; elas são completamente estranhas umas às outras; o pai é estranho a seu filho; a filiação das famílias se encontra assim reduzida apenas à filiação corporal, sem qualquer laço espiritual. Então, não há nenhum motivo para se glorificar de haver tido por antepassados estes ou aqueles personagens ilustres. Com a reencarnação, ascendentes e descendentes podem ser conhecidos, ter vivido juntos, ter se amado e podem se reunir mais tarde, para apertarem seus laços de simpatia.
22. Isso quanto ao passado. Quanto ao futuro, segundo um dos dogmas fundamentais que decorem da não reencarnação, o destino das almas está irrevogavelmente fixado após uma única existência. A fixação definitiva do destino implica a cessação de todo progresso, porque, se houver qualquer progresso, já não há destino definitivo. Conforme tenham vivido bem ou mal, elas vão imediatamente parar na morada dos ditosos ou no inferno eterno; desta forma, elas ficam imediatamente separadas para sempre e sem esperança de jamais se reencontrarem, de tal maneira que pais, mães e filhos, maridos e mulheres, irmãos, irmãs e amigos nunca estão certos se vão se rever: isso é a mais absoluta ruptura dos laços de família.
Com a reencarnação e o progresso, que é a sua consequência, todos aqueles que se amaram se reencontram na Terra e no espaço, gravitando juntos rumo a Deus. Se alguns fracassam no caminho, eles retardam o seu adiantamento e a sua felicidade, mas a esperança não está toda perdida; ajudados, encorajados e amparados por aqueles que os amam, um dia eles emergirão do atoleiro em que estão envolvidos. Enfim, com a reencarnação há uma perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados, e daí o estreitamento dos laços de afeição.
23. Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem com relação ao seu futuro no além-túmulo: 1ª) o nada, conforme a doutrina materialista; 2ª) a absorção no todo universal, de acordo com a doutrina panteísta; 3ª) a individualidade, com fixação definitiva do destino, segundo a doutrina da Igreja; 4ª) a individualidade com progressão indefinida, em harmonia com a doutrina espírita. Pelas duas primeiras, os laços de família são rompidos após a morte e não há nenhuma esperança de reencontro; com a terceira, há chance das almas se reverem, contanto que estejam no mesmo ambiente, e esse ambiente tanto pode ser o inferno como o paraíso; com a pluralidade das existências — que é inseparável da progressão gradual — existe a certeza na continuidade das relações entre os que se amaram, e isso é o que constitui a verdadeira família.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Limites da encarnação
24. Quais são os limites da encarnação?
A encarnação não tem — propriamente falando — limites claramente traçados, se com isso nos referirmos ao envoltório que constitui o corpo do Espírito, visto que a materialidade desse envoltório diminui na medida em que o Espírito se purifica. Em certos mundos mais avançados que a Terra, o corpo já é menos compacto, menos pesado e menos grosseiro, e por conseguinte, sujeito a menos vicissitudes; em grau mais elevado, ele é diáfano e quase fluídico; de degrau por degrau, ele se desmaterializa e termina por se confundir com o perispírito. Conforme o mundo no qual ele é chamado a viver, o Espírito se apossa de um envoltório apropriado à natureza desse mundo.
O próprio perispírito passa por transformações sucessivas; ele se eteriza mais e mais, até à depuração completa que constitui os Espíritos puros. Se mundos especiais são destinados como estações para Espíritos muito adiantados, estes não ficam presos nesses mundos, como nos mundos inferiores; o estado de desprendimento em que se encontram lhes permite se transportar para toda parte onde quer que sejam chamados pelas missões que lhes sejam confiadas.
Se considerarmos a encarnação do ponto de vista material, tal como acontece na Terra, podemos dizer que ela se limita aos mundos inferiores; consequentemente, depende de o Espírito se libertar dela mais ou menos rapidamente, trabalhando pela sua purificação.
É de se considerar também que, no estado errante — quer dizer, no intervalo das existências corpóreas — a situação do Espírito é proporcional à natureza do mundo a que se liga o seu grau de avanço; assim, na erraticidade ele é mais ou menos venturoso, livre e esclarecido, conforme seja mais ou menos desmaterializado.
São Luís (Paris, 1859)
Necessidade da encarnação
25. A encarnação é uma punição e somente os Espíritos culpados estão sujeitos a ela?
A passagem dos Espíritos pela vida corpórea é necessária para que eles possam, com a ajuda de uma ação material, cumprir os desígnios dos quais Deus lhes confia a execução; ela é necessária para eles mesmos, porque a atividade que são obrigados a empregar lhes auxilia o desenvolvimento da inteligência. Sendo soberanamente justo, Deus deve dar uma parte igual a todos os seus filhos; é por isso que ele concede a todos o mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de agir; qualquer privilégio seria uma preferência e qualquer preferência seria uma injustiça. Mas a encarnação, para todos os Espíritos, não passa de um estado transitório; é uma tarefa que Deus lhes impõe no começo da vida deles, como primeira prova do uso que farão do livre-arbítrio. Aqueles que desempenham essa tarefa com zelo passa rapidamente e menos penosamente esses primeiros degraus da iniciação, e desfrutam mais cedo do fruto do seu trabalho. Aqueles que, ao contrário, fazem um mau uso da liberdade que Deus lhes concede retardam o seu progresso; é assim que, pela sua teimosia, eles podem prolongar indefinidamente a necessidade de reencarnar, e é então que a encarnação se torna um castigo.
São Luís (Paris, 1859)
26. Observação — Uma comparação simples fará que se compreenda melhor essa diferença. O estudante não chega aos graus superiores da ciência sem antes ter percorrido a série das classes que o conduzem até lá. Essas classes, seja qual for o trabalho que exijam, são um meio de chegar ao objetivo, e não uma punição. O aluno esforçado abrevia o caminho e nele encontra menos espinhos; algo diferente acontece com aquele cuja negligência e preguiça o obrigam a repetir certas classes. Não é o trabalho da classe que constitui uma punição, mas sim a obrigação de recomeçar o mesmo trabalho.
Assim ocorre com o homem na Terra. Para o Espírito do selvagem, que está quase que no início da vida espiritual, a encarnação é um meio de desenvolver a sua inteligência; porém, para o homem esclarecido, em quem o senso moral está largamente desenvolvido e que é obrigado a refazer as etapas de uma vida corpórea cheia de angústias, quando ele já poderia ter chegado ao fim, a encarnação é um castigo, pela necessidade que ele tem de prolongar sua estadia nos mundos inferiores e infelizes. Aquele que, ao contrário, trabalha ativamente pelo seu progresso moral, não somente pode abreviar a duração da encarnação material, mas também pode passar de uma só vez os degraus intermediários que o separam dos mundos superiores.
Poderiam os Espíritos encarnar uma única vez num mesmo globo e cumprir suas diferentes existências em esferas diferentes? Essa opinião só seria admissível se todos os homens na Terra estivessem exatamente no mesmo nível intelectual e moral. As diferenças que existem entre eles — desde o selvagem até o homem civilizado — mostram os níveis pelos quais eles são chamados a passar. A encarnação, aliás, deve ter um propósito útil; agora, qual seria o propósito das encarnações efêmeras das crianças que morrem em tenra idade? Elas teriam sofrido sem proveito para si e para os outros: Deus, cujas leis são todas soberanamente sábias, nada faz de inútil. Pela reencarnação no mesmo globo, ele quis que os mesmos Espíritos, estando novamente em contato, tivessem oportunidade de reparar seus erros recíprocos; por meio das suas relações anteriores, ele quis, além disso, fundar os laços de família sobre base espiritual e apoiar sobre uma lei da natureza os princípios da solidariedade, da fraternidade e da igualdade.
17 Ao logo desta obra, encontramos alguns equívocos no texto original com relação à marcação das passagens bíblicas padronizadas atualmente; por exemplo, para esta passagem do Evangelho segundo Marcos, assinalando os versículos de 10 a 12 do capítulo 9, sendo que a referência exata corresponde apenas aos versículos 11 e 12, tal como escrevemos aqui. Esta ocorrência nos enseja informar que cuidamos de corrigir nesta tradução as marcações equivocadas subsequentes; veja a lista dessas ocorrências no anexo no final desta obra. — N. T.
18 A tradução de Osterwald está conforme o texto primitivo; ela traz o seguinte: não renasce da água e do Espírito; a tradução de Sacy diz: do Santo Espírito; na de Lamennais consta: do Espírito Santo.
19 Gênesis, 1: 2, 6, 7 e 20. — N. T.
20 Para os desenvolvimentos sobre o dogma da reencarnação, veja em O Livro dos Espíritos: cap. IV e V [do Livro Segundo]; O Que é o Espiritismo: cap. II, por Allan Kardec; Pluralidade das existências, por [André] Pezzani.
