- – AS LEIS E AS FORÇAS
- – A CRIAÇÃO PRIMÁRIA
- – A CRIAÇÃO UNIVERSAL
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo
AS LEIS E AS FORÇAS
8. Se um desses seres desconhecidos que consomem a sua existência efêmera no fundo das tenebrosas regiões do oceano; se um desses poligástricos60, uma dessas nereidas — miseráveis animais minúsculos que da natureza só conhecem os peixes ictiófagos61 e as florestas submarinas — recebesse de repente o dom da inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de estabelecer sobre suas apreciações um raciocínio conjetural extensivo à universalidade das coisas, que ideia faria da natureza viva que se desenvolve em seu meio e do mundo terrestre que não faz parte do campo de suas observações?
Agora, por efeito maravilhoso do poder da sua nova capacidade, se esse mesmo ser chegasse a se elevar acima das suas trevas eternas até a superfície do mar — não distante das margens opulentas de uma ilha de esplêndida vegetação, ao Sol fértil, irradiador de um benéfico calor —, que juízo ele faria das suas antigas teorias sobre a criação universal, teoria que ele logo substituiria por uma apreciação mais larga, embora ela ainda fosse tão relativamente incompleta quanto a primeira? Assim é, homens, a imagem da sua ciência toda especulativa!62
9. Já que venho aqui tratar da questão das leis e das forças que regem o Universo, eu que como vocês sou apenas um ser relativamente ignorante em face da ciência real, não obstante a aparente superioridade que me dá com relação aos meus irmãos da Terra a possibilidade de estudar questões naturais que lhe estão interditadas na sua situação, meu único objetivo é lhes expor a noção geral das leis universais, sem explicar em detalhes o modo de ação e a natureza das forças especiais de delas dependente.
10. Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos; esse fluido é o éter ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. Ao éter pertencem as forças que presidiram as metamorfoses da matéria e as leis imutáveis e necessárias que regem o mundo. Essas formas múltiplas — indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo as massas e diversificadas em seus modos de ação, conforme as circunstâncias e os meios — são conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade, coesão, afinidade, atração, magnetismo e eletricidade ativa; os movimentos vibratórios do agente são os de: som, calor, luz etc. Em outros mundos, elas se apresentam sob outros aspectos, oferecem outras características desconhecidas neste mundo, e na imensa amplidão dos céus, um número indefinido de forças tem se desenvolvido numa escala inimaginável cuja grandeza somos tão incapazes de avaliar, como o crustáceo no fundo do oceano é incapaz de apreender a universalidade dos fenômenos terrestres.63
Ora, assim como só há uma substância simples, primitiva, geradora de todos os corpos, porém diversificada em suas combinações, da mesma forma todas essas forças dependem de uma lei universal diversificada em seus efeitos, e que, nos decretos eternos, tem sido soberanamente imposta à criação para lhe constituir a harmonia e a estabilidade.
11. A natureza jamais se opôs a si mesma. O brasão do Universo não é mais do que uma divisão: UNIDADE / VARIEDADE. Retornando à escala dos mundos, encontramos unidade de harmonia e de criação, ao mesmo tempo como uma variedade infinita nesse imenso canteiro de estrelas; percorrendo os degraus da vida — desde o último dos seres até Deus — a grande lei de continuidade se faz evidente; considerando as forças em si mesmas, podemos formar com elas uma série cujo resultado — confundindo-se com a geradora — é a lei universal.
Vocês não saberiam apreciar esta lei em toda a sua extensão, pois as forças que a representam no campo das suas observações são restritas e limitadas; entretanto, a gravidade e a eletricidade podem ser consideradas como uma larga aplicação da lei primordial que rege para além dos céus.
Todas essas forças são eternas — nós explicaremos esse termo — e universais como a criação; sendo inerentes ao fluido cósmico, elas atuam necessariamente em tudo e em toda parte, modificando suas ações pela sua simultaneidade ou sua sucessão; predominando aqui e se apagando acolá; fortes e ativas em certos pontos, latentes ou secretas noutros; mas finalmente preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos em seus diversos períodos de vida, governando os maravilhosos trabalhos da natureza onde quer que eles se executem, assegurando para sempre o eterno esplendor da criação.
A CRIAÇÃO PRIMÁRIA
12. Depois de termos considerado o Universo sob os pontos de vista gerais da sua composição, das suas leis e das suas propriedades, podemos estender os nossos estudos ao modo de formação que deu origem aos mundos e aos seres; desceremos em seguida à criação da Terra em particular e ao seu estado atual na universalidade das coisas, e daí, tomando esse globo por ponto de partida e por unidade relativa, procederemos aos nossos estudos planetários e siderais.
13. Se bem compreendemos a relação, ou melhor, a oposição entre a eternidade e o tempo, se estamos habituados com essa ideia de que o tempo não é mais do que uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias, ao passo que a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente, e que ela não é suscetível de qualquer medida do ponto de vista da duração, compreenderemos que para ela não há nem começo nem fim.
Doutro lado, se fazemos uma ideia exata — embora necessariamente muito fraca — da infinidade do poder divino, compreenderemos como é possível que o Universo tenha existido e exista sempre. Do momento em que Deus existiu, suas perfeições eternas falaram. Antes que os tempos nascessem, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fecundou o espaço, eterno como ela.
14. Deus, sendo por sua natureza de toda a eternidade, tem criado desde toda a eternidade e isso não poderia ser de outro modo, porque, por mais distante que seja a época a que recuemos pela imaginação os supostos limites da criação, sempre restará além desse limite uma eternidade — pensem bem nessa ideia —, uma eternidade durante a qual as divinas hipóstases, as vontades infinitas, teriam sido sepultadas numa letargia muda, inativa e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres; de silêncio indiferente para o verbo que os governa, de esterilidade fria e egoísta pelo Espírito de amor e de vivificação.
Compreendamos melhor a grandeza da ação divina e a sua perpetuidade sob a mão do ser absoluto! Deus é o Sol dos seres, é a Luz do mundo. Ora, a aparição do Sol dá nascimento instantâneo aos fluxos de luz que vão se difundindo para todos os lados na extensão; do mesmo modo, o Universo, nascido do Eterno, remonta aos períodos inimagináveis do infinito de duração, ao Fiat lux!64 do início.
15. O começo absoluto das coisas volta-se então para Deus; suas sucessivas aparições no domínio da existência constituem a ordem da criação perpétua.
Que mortal poderia contar as magnificências desconhecidas e soberbamente veladas sob a noite das eras que se desdobraram naqueles tempos antigos em que nenhuma das maravilhas do Universo atual existia; a essa época primitiva em que a voz do Senhor se fez ouvir, os materiais que no futuro haviam de se agregar simetricamente e por si mesmos para formar o templo da natureza se encontraram de súbito no seio dos vácuos infinitos; quanto àquela voz misteriosa que toda criatura venera e estima como a de uma mãe, notas harmoniosamente variadas se produziram para irem vibrar juntas e modular o concerto dos vastos céus!
No seu berço, o mundo não foi estabelecido na sua virilidade e na plenitude da sua vida; não: o poder criador nunca se contradiz, e, como todas as coisas, o Universo nasceu criança. Revestido das leis mencionadas acima e da impulsão inicial inerente à sua própria formação, a matéria cósmica primitiva deu origem sucessivamente a turbilhões, a aglomerações desse fluido difuso, a amontoados de matéria nebulosa que se dividiram entre si e se modificaram ao infinito para gerar, nas regiões incomensuráveis da amplidão, diversos centros de criações simultâneas ou sucessivas.
Em razão das forças que predominaram sobre um ou sobre outro, e das circunstâncias posteriores que presidiram os seus desenvolvimentos, esses centros primitivos se tornaram focos de uma vida especial: uns, menos disseminados no espaço e mais ricos em princípios e em forças atuantes, começaram desde logo a sua particular vida astral; os outros, ocupando uma extensão ilimitada, só cresceram com uma extrema lentidão, ou se dividiram em outros novos centros secundários.
16. Transportando-nos a apenas alguns milhões de séculos acima da época atual, nossa Terra ainda não existe, nem mesmo o nosso sistema solar ainda não começou as evoluções da vida planetária; mas, entretanto, esplêndidos sóis já iluminam o éter; planetas habitados já dão vida e existência a uma multidão de seres que nos precederam na carreira humana; as opulentas produções de uma natureza desconhecida e os maravilhosos fenômenos do céu desdobram sob outros olhares os quadros da imensa criação. Que digo! Os esplendores já não são mais aqueles que antigamente fizeram palpitar o coração de outros mortais sob o pensamento da infinita potência! E nós, pobres seres pequeninos que viemos após uma eternidade de vida, nós nos cremos contemporâneos da criação!
Ainda uma vez, compreendamos melhor a natureza. Saibamos que a eternidade está atrás de nós, como na nossa frente; que o espaço é o teatro de uma inimaginável sucessão e simultaneidade de criações. Tais nebulosas — que mal percebemos, nos mais longínquos pontos do céu — são aglomerados de sóis em vias de formação; tais outras são vias-lácteas de mundos habitados; outras, finalmente, sedes de catástrofes ou de declínio. Saibamos que, assim como estamos colocados no meio de uma infinidade de mundos, também estamos no meio de uma dupla infinidade de durações anteriores e posteriores; que a criação universal não se restringe a nós e que não podemos usar essa palavra à formação isolada do nosso pequeno globo.
A CRIAÇÃO UNIVERSAL
17. Após haver retornado, tanto quanto nossa fraqueza o permita, em direção à fonte oculta de onde fluem os mundos como gotas d’água de um rio, consideremos a marcha das criações sucessivas e dos seus desenvolvimentos seriais.
A matéria cósmica primitiva continha os elementos materiais, fluídicos e vitais de todos os universos que ostentam suas magnificências diante da eternidade; ela é a mãe fecunda de todas as coisas, a primeira avó e — mais que isso — a eterna geratriz. Ela, essa substância de onde provém as esferas siderais, não desapareceu; ela, essa potência, não está morta, pois ainda incessantemente ela dá à luz a novas criações, e recebe incessantemente os princípios reconstituídos dos mundos que se apagam do livro eterno.
A matéria etérea — mais ou menos rarefeita, que permeia os espaços interplanetários —, esse fluido cósmico — que preenche o mundo, mais ou menos rarefeito nas regiões imensas, repletas de aglomerações de estrelas, mais ou menos condensado lá onde o céu astral ainda não brilha, mais ou menos modificado por diversas combinações de acordo com as localidades da extensão — não é outra coisa senão a substância primitiva onde residem as forças universais, donde a natureza tem tirado todas as coisas.65
18. Esse fluido penetra os corpos como um imenso oceano. É nele que reside o princípio vital que dá origem à vida dos seres e a perpetua em cada globo conforme sua condição, princípio em estado latente que se conserva adormecido lá onde a voz de um ser não o reclama. Cada criatura mineral, vegetal, animal ou qualquer outra — pois há muitos outros reinos naturais de cuja existência vocês nem sequer suspeitam66 — sabe, em virtude desse princípio vital universal, apropriar-se das condições de sua existência e de sua duração.
As moléculas do mineral têm sua soma dessa vida, do mesmo modo que a semente e o embrião, e se grupam, como no organismo, em figuras simétricas que constituem os indivíduos.
É muito importante nos convencermos desta noção: que a matéria cósmica primitiva se achava revestida não somente das leis que asseguram a estabilidade dos mundos, mas também do princípio vital universal que forma gerações espontâneas em cada mundo, à medida que se manifestam as condições da existência sucessiva dos seres, e quando soa a hora do aparecimento dos filhos da vida durante o período criador.
Efetua-se assim a criação universal. Portanto, é exato dizermos que, sendo as operações da natureza a expressão da vontade divina, Deus tem criado sempre, cria incessantemente e sempre criará.
19. Porém, até aqui, temos guardado silêncio sobre o mundo espiritual, que também faz parte da criação e cumpre seus destinos conforme as augustas determinações do Senhor.
Não posso dar mais que um ensinamento bem restrito acerca do modo da criação dos Espíritos, por razão da minha própria ignorância, e devo me calar também sobre certas questões, ainda que me tenha sido permitido aprofundá-las.
Aos que estejam religiosamente desejosos de conhecer, e que sejam humildes perante Deus, direi, rogando-lhes para não levantar nenhuma teoria prematura acerca das minhas palavras: O Espírito não chega a receber a iluminação divina que lhe dá, ao mesmo tempo que o livre-arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais lentamente se elabora a obra da sua individualidade; somente a partir do dia em que o Senhor lhe imprime na fronte a sua augusta marca é que o Espírito toma lugar entre as humanidades.
Mais uma vez: não construam sobre as minhas palavras seus raciocínios, tão tristemente célebres na história da metafísica; eu preferiria mil vezes calar-me sobre tão elevadas questões acima das nossas meditações ordinárias, a lhes expor a desnaturar o sentido de meu ensinamento, e, por culpa minha, lançá-los nos incompreensíveis labirintos do deísmo67 ou do fatalismo.
Notas de Rodapé
60 Poligástrico: que possui vários estômagos – N. T.
61 Ictiófago: que se alimenta de peixes — N. T.
62 Tal é também a situação dos negadores do mundo dos Espíritos, quando, após haverem se despojado do envoltório carnal, os horizontes desse mundo se desdobram sob as suas vistas. Eles compreendem então o vazio das teorias pelas quais pretendiam explicar tudo por meio exclusivo da matéria. Contudo, esses horizontes ainda lhes escondem mistérios que só lhes serão desvendados sucessivamente, à medida que eles se elevam pela depuração. Porém, desde os seus primeiros momentos nesse mundo novo, veem-se forçados a reconhecer a sua cegueira e o quanto estavam distantes da verdade.
63 Relacionamos tudo ao que conhecemos, e do que os nossos sentidos não captam, só compreendemos o que o cego de nascença compreende acerca dos efeitos da luz e da utilidade dos olhos. Pode ser então que em outros ambientes o fluido cósmico tenha propriedades e combinações das quais não fazemos nenhuma ideia, efeitos apropriados a necessidades que desconhecemos, dando lugar a percepções novas ou a outros modos de percepção. Não compreendemos, por exemplo, que se possa ver sem os olhos do corpo e sem a luz; mas quem nos diz que não existam outros agentes fora a luz aos quais os organismos especiais sejam afetados? A vista sonambúlica — que não é detida nem pela distância, nem pelos obstáculos materiais e nem pela escuridão — nos oferece um exemplo. Suponhamos que, num mundo qualquer, os seres sejam normalmente o que os nossos sonâmbulos sejam excepcionalmente; eles não teriam necessidade nem da nossa luz nem dos nossos olhos, e então eles veriam o que não podemos ver. É o mesmo caso de todas as outras sensações. As condições de vitalidade e de perceptibilidade, as sensações e as necessidades variam segundo os ambientes.
64 Fiat lux: expressão latina equivalente a “Faça-se a luz” ou “Que haja luz”, que tradicionalmente remete à narrativa bíblica (contida no terceiro versículo do primeiro capítulo do livro Gênesis) de quando Deus iniciou a sua criação e ordenou que a luz existisse. — N. T.
65 Se se perguntasse qual é o princípio dessas forças e como esse princípio pode estar na própria substância que o produz, responderíamos que a mecânica nos oferece numerosos exemplos disso. A elasticidade, que faz com que uma mola se distenda, não está na própria mola e não depende do modo de agregação das moléculas? O corpo que obedece à força centrífuga recebe a sua impulsão do movimento primitivo que lhe foi imprimido.
66 Segundo a Biologia atual, os seres vivos são classificados em cinco reinos: monera, protista, fungi, vegetal e animal. — N. T.
67 Deísmo: teoria que considera a razão como a única via capaz de nos assegurar a existência de Deus, rejeitando, para tal propósito, as revelações, o ensinamento ou a prática de qualquer religião organizada. – N. T.
