- – O maior mandamento. Fazer aos outros o que gostaríamos que os outros nos fizessem. Parábola dos credores e dos devedores
- – Dar a César o que é de César
- – INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: A lei de amor
- – O egoísmo
- – A fé e a caridade
- – Caridade para com os criminosos
- – Devemos expor a vida por um malfeitor?
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
O maior mandamento. Fazer aos outros o que gostaríamos que os outros nos fizessem. Parábola dos credores e dos devedores
1. Os fariseus, tendo ouvido que ele havia calado a boca dos saduceus, reuniram-se em assembleia; então, um deles, que era doutor da lei, veio lhe fazer esta pergunta, para tentá-lo: Mestre, qual é o maior mandamento da lei? — Jesus lhe respondeu: Ame o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito; este é o maior e o primeiro mandamento. E aqui está o segundo, que é semelhante ao primeiro: Ame o teu próximo como a ti mesmo. Toda a lei e os profetas estão contidos nesses dois mandamentos. (São Mateus, 22: 34 a 40)
2. Façam aos homens o que vocês gostariam que eles lhes fizessem, pois esta é a lei e os profetas. (São Mateus, 7: 12)
Tratem todos os homens da mesma maneira como vocês gostariam que eles lhes tratassem. (São Lucas, 6: 31)
3. O reino dos céus é semelhante a um rei que queria pedir contas aos seus servos, e tendo começado a fazer isso, apresentou-se ao rei um dos servos que lhe devia dez mil talentos. Mas como ele não tinha recursos para pagar, seu senhor mandou que o vendessem, ele, sua mulher, seus filhos e tudo o que ele possuía, para quitar aquela dívida. O servo, lançando-se aos pés do rei, o implorou, dizendo-lhe: Senhor, tenha um pouco de paciência e eu te pagarei tudo.” — Então o senhor daquele servo, ficando tocado de compaixão, o deixou ir e lhe perdoou a dívida. Mas esse servo, mal saindo dali, encontrou um de seus companheiros, que lhe devia cem denários, e o segurou pelo pescoço, quase estrangulando-o, lhe dizendo: Pague-me o que você me deve. — E o seu companheiro, lançando-se aos seus pés, o implorou, dizendo: Tenha um pouco de paciência e eu te pagarei tudo. — Mas ele não quis escutá-lo, foi-se e mandou prendê-lo, para ali ficar até que ele pagasse o que lhe devia.
Os outros servos, seus companheiros, vendo o que se passava, ficaram extremamente sensibilizados e informaram o seu senhor de tudo o que havia acontecido. Então o senhor, tendo mandado trazê-lo, disse-lhe: Servo malvado, eu tinha perdoado tudo o que me você devia, porque me pediste; então, não era para você também ter piedade do teu companheiro, como eu tive piedade de você? — E o seu senhor, tomado de cólera, o entregou nas mãos dos carrascos, até que ele pagasse tudo o que devia. Será dessa forma que meu Pai que está no céu lhes tratará, se cada um de vocês não perdoar, do fundo do seu coração, as faltas que seus irmãos tiverem cometido contra vocês. (São Mateus, 18: 23 a 35)
4. “Amar o próximo como a si mesmo; fazer pelos outros o que gostaríamos que os outros fizessem por nós” é a expressão mais completa da caridade, pois ela resume todos os deveres para com o próximo. Não podemos ter um guia mais seguro a esse respeito do que tomando como medida o que devemos fazer aos outros aquilo que desejamos para nós mesmos. Com que direito podemos exigir dos nossos semelhantes um comportamento melhor, mais indulgência, mais benevolência e mais devotamento do que nós temos para com eles? A prática desses preceitos tende à destruição do egoísmo; quando os homens os acatarem como regra de sua conduta e como base de suas instituições, então eles compreenderão a verdadeira fraternidade e farão reinar entre eles a paz e a justiça; não mais haverá nem ódios nem dissensões, mas sim união, concórdia e benevolência mútua.
Dar a César o que é de César
5. Então os fariseus, retirando-se, planejaram entre si surpreendê-lo com suas próprias palavras. Assim, enviaram-lhe seus discípulos junto com herodianos, para lhe dizer: Mestre, sabemos que o senhor é verdadeiro e que está ensinando o caminho de Deus pela verdade, sem se preocupar com quem quer que seja, porque não faz diferença com ninguém entre os homens; diga-nos, pois, a tua opinião sobre isso: Nós estamos livres de pagar tributo a César, ou de não o pagar?
Mas Jesus, conhecendo a malícia deles, respondeu-lhes: Hipócritas, por que me tentam? Mostrem-me um moeda que se dá como tributo. E quando eles lhe apresentaram um denário, Jesus lhes perguntou: De quem é esta imagem e esta inscrição? — De César, eles lhe disseram. Então Jesus lhes respondeu: Então, deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ouvindo-o falar dessa maneira, eles ficaram admirados com a resposta de Jesus e, deixando-o, eles se retiraram. (São Mateus, 22: 15 a 22; são Marcos, 12: 13 a 17)
6. A questão proposta a Jesus era motivada por aquela circunstância em que os judeus, tendo horror ao tributo que lhes era cobrado pelos romanos, tinham feito disso uma questão religiosa; um partido numeroso havia sido formado para rejeitar o imposto; portanto, o pagamento do tributo era para eles uma questão irritante da atualidade, sem o que, não faria nenhum sentido a pergunta feita a Jesus: “Estamos livres de pagar ou não pagar o tributo a César?” Essa pergunta uma armadilha, porque, conforme a resposta de Jesus, os fariseus esperavam excitar contra ele ou a autoridade romana ou os judeus dissidentes. Porém, “Jesus, conhecendo a malícia deles”, contornou a dificuldade ao lhes dar uma lição de justiça e ao dizer que a cada um seja dado o que lhe é devido. (Veja na Introdução, o item Publicanos.)
7. Esta máxima “Deem a César o que é de César” não deve ser entendida de uma maneira restritiva e absoluta. Como todos os ensinos de Jesus, trata-se de um princípio geral, resumido sob uma forma prática e usual, e deduzido de uma circunstância particular. Esse princípio é uma consequência daquele que diz para agirmos com os outros como gostaríamos que os outros agissem para conosco; ele condena todo prejuízo material e moral que se possa causar a outro alguém e toda violação de seus interesses; ele recomenda o respeito aos direitos de cada um, como cada um deseja que se respeite os seus; ele se estende até o cumprimento dos deveres contraídos para com a família, a sociedade, a autoridade, assim também para com os indivíduos.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: A lei de amor
8. O amor resume toda a doutrina de Jesus, porque esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso realizado. No seu ponto de partida, o homem só tem instintos; quanto mais avançado e corrompido, ele não tem nada além de sensações; mais instruído e purificado, ele tem sentimentos. E o ponto requintado do sentimento é o amor; não o amor no sentido vulgar da palavra, mas esse sol interior que condensa e reúne em seu ardente foco todas as aspirações e todas as revelações sobre-humanas. A lei de amor substitui a personalidade pela integração dos seres; ela aniquila as misérias sociais. Feliz aquele que, ultrapassando a sua humanidade, ama com um amplo amor os seus irmãos em sofrimento! Feliz aquele que ama, porque não conhece nem a aflição da alma nem a do corpo; seus pés são ágeis e ele vive como que transportado para fora de si mesmo. Quando Jesus pronunciou essa palavra divina de amor, essa palavra fez os povos estremeceram e os mártires, ébrios de esperança, desceram ao espetáculo.
O espiritismo, por sua vez, vem pronunciar uma segunda palavra do alfabeto divino; fiquem atentos, pois essa palavra ergue a lápide dos túmulos vazios, e a reencarnação, triunfando sobre a morte, revela ao homem deslumbrado o seu patrimônio intelectual. Já não é ao suplício que ela o conduz, mas à conquista do seu ser, elevado e transfigurado. O sangue resgatou o Espírito e hoje o Espírito deve resgatar o homem da matéria.
Eu disse que o homem, na sua origem, só tem instintos; portanto, aquele em quem os instintos predominam está mais perto do ponto de partida do que do objetivo. Para avançar rumo ao objetivo, é preciso superar os instintos em favor dos sentimentos, quer dizer, aperfeiçoar os sentimentos sufocando os germes latentes da matéria. Os instintos são a germinação e os embriões do sentimento; eles trazem consigo o progresso, como a bolota traz em si o carvalho, e os seres menos avançados são os que, só se despojando de suas crisálidas pouco a pouco, permanecem servis aos seus instintos. O Espírito deve ser cultivado como um campo; toda a riqueza futura depende do labor atual, e muito mais que os bens terrenos, ele lhes levará até a elevação gloriosa. É então que, compreendendo a lei de amor que une todos os seres, vocês nela buscarão as suaves alegrias da alma, que são o prelúdio das alegrias celestes.
LÁZARO (Paris, 1862)
9. O amor é de uma essência divina, e vocês — desde o primeiro até o último — possuem no fundo do coração a centelha desse fogo sagrado. Esse é um fato que vocês já puderam constatar muitas vezes: por mais que o homem seja abjeto, vil e criminoso, ele tem uma afeição viva e ardente por um ser ou por um objeto qualquer, à prova de tudo quanto tendesse a diminuí essa afeição, e frequentemente alcançando proporções sublimes.
Eu disse: por um ser ou por um objeto qualquer, porque entre vocês existem indivíduos que gastam tesouros de amor, do qual seus corações estão transbordados, em favor dos animais, das plantas e até de objetos materiais: espécies de misantropos que se queixam da humanidade em geral e se endurecendo contra a inclinação natural da alma, que busca em torno de si a afeição e a simpatia; eles rebaixam a lei de amor ao estado de instinto. Contudo, por mais que façam, eles não conseguem sufocar o germe vivaz que Deus depositou no coração quando eles foram criados; essa semente se desenvolve e cresce com a moralidade e a inteligência, e conquanto muitas vezes oprimido pelo egoísmo, ela é a fonte de santas e doces virtudes que tornam as afeições sinceras e duráveis, e que ajudam vocês a transpor o caminho escarpado e árido da existência humana.
Existem algumas pessoas para quem a prova da reencarnação causa repugnância, só pelo fato de que outros indivíduos compartilham das simpatias afetuosas das quais elas têm ciúmes. Pobres irmãos! É a sua própria afeição que lhes torna egoístas; o amor de vocês está restrito a um círculo íntimo de parentes e de amigos, e todos os demais são indiferentes para vocês. Pois bem! Para praticar a lei de amor tal como Deus a entende, é preciso que vocês cheguem gradualmente a amar a todos os seus irmãos indistintamente. A tarefa será longa e difícil, mas ela se realizará: Deus quer assim e a lei de amor é o primeiro e o mais importante preceito da sua nova doutrina, porque é ela que um dia deverá matar o egoísmo, seja qual for a forma sob a qual ele se apresente, uma vez que, além do egoísmo pessoal, há ainda o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade etc. Jesus disse: “Amem o próximo como a vocês mesmos”; ora, qual é o limite para o próximo? Seria a família, a seita, a nação? Não; é a humanidade inteira. Nos mundos superiores, é o amor mútuo que harmoniza e dirige os Espíritos avançados que os habitam, e este seu planeta, destinado a um progresso que se aproxima, através da sua transformação social, verá seus habitantes praticarem essa lei sublime, reflexo da Divindade.
Os efeitos da lei de amor são o melhoramento moral da raça humana e a felicidade durante a vida terrestre. Os mais rebeldes e os mais viciosos deverão se reformar quando virem os benefícios produzidos por esta prática: Não façam aos outros o que vocês não gostariam que os outros lhes fizessem; mas, ao contrário, façam todo o bem que vocês puderem fazer por eles.
Não creiam na esterilidade e no endurecimento do coração humano; mesmo a contragosto, ele cede ao amor verdadeiro; é um ímã ao qual ele não consegue resistir, e o contato desse amor vivifica e fecunda as sementes dessa virtude, que está em seus corações em estado latente. A Terra, instância de provações e de exílio, será então purificada por esse fogo sagrado e verá se praticar a caridade, a humildade, a paciência, o devotamento, a abnegação, a resignação e o sacrifício, que são virtudes filhas do amor. Então, não se cansem de escutar as palavras de João, o Evangelista; como vocês sabem, quando a enfermidade e a velhice dele suspenderam o curso de suas pregações, ele apenas repetia estas doces palavras: “Meus filhinhos, amem-se uns aos outros.”
Caros irmãos amados, aproveitem essas lições; a sua prática é difícil, mas a alma retira delas um bem imenso. Creiam em mim, façam o sublime esforço que lhes peço: “Amem-se”, e em breve vocês verão a Terra modificada, tornando-se o Elísio30 onde as almas dos justos virão desfrutar do repouso.
FÉNELON (Bordeaux, 1861)
10. Meus caros condiscípulos, os Espíritos aqui presentes lhes dizem por meio da minha voz: Amem bastante, a fim de serem amados. Esse pensamento é tão justo que vocês encontrarão nele tudo o que consola e acalma os sofrimentos de cada dia; ou melhor: praticando esse sábio preceito, vocês vão se elevar tão acima da matéria que se espiritualizarão antes do seu desprendimento terrestre. Tendo os estudos espíritas desenvolvido em vocês a compreensão do futuro, vocês têm uma certeza: a do avanço rumo a Deus, com todas as promessas que correspondem às aspirações da alma; assim, vocês devem se elevar alto o suficiente para poderem julgar sem as pressões da matéria, e não condenar o próximo, antes de ter dirigido o pensamento a Deus.
Amar, no sentido profundo do termo, é ser leal, probo e consciencioso para fazer aos outros aquilo que se desejaria para si mesmo; é procurar em torno de si o significado íntimo de todas as dores que acabrunham os irmãos, para lhes levar um alívio; é olhar a grande família humana como a sua, porque essa família vocês a encontrarão num certo período, em mundos mais adiantados, e que os Espíritos que a compõem são — como vocês — filhos de Deus, marcados na fronte para se elevarem ao infinito. É por isso que vocês não podem recusar aos seus irmãos o que Deus generosamente lhes dá, porque, da parte de vocês, eu sei que ficariam muito felizes se seus irmãos lhes dessem aquilo de que necessitam. Para todos os sofrimentos, então, levem sempre uma palavra de esperança e de apoio, para que sejam todo amor, todo justiça.
Creiam que este sábio preceito “Amem bastante, para serem amados” seguirá o seu caminho; ele é revolucionário e segue a rota que é fixa e invariável. Mas vocês já venceram, vocês que me escutam; vocês são infinitamente melhores do que eram há cem anos; já se modificaram tanto para melhor que já aceitam sem contestação um monte de ideias novas sobre a liberdade e a fraternidade que antes teriam rejeitado. Ora, daqui a cem anos, vocês aceitarão com a mesma facilidade as ideias que ainda não puderam entrar no seu cérebro.
Hoje, que o movimento espírita tem dado um grande passo, vejam com que rapidez as ideias de justiça e renovação contidas nos ditados dos Espíritos são aceitas pela parte mediana do mundo inteligente; é que essas ideias correspondem a tudo o que há de divino em vocês; é que vocês já estão preparados para uma sementeira fecunda: a do último século, que implantou no seio da sociedade as grandes ideias de progresso; e como tudo se encadeia sob a direção do Altíssimo, todas as lições recebidas e aceitas estarão contidas nessa troca universal de amor ao próximo; por ele, os Espíritos encarnados, julgando melhor e sentindo melhor, se estenderão as mãos desde os confins deste planeta; todos vão se reunir para se entenderem e se amarem, para destruir todas as injustiças e todas as causas de desentendimentos entre os povos.
Grande pensamento de renovação pelo espiritismo, tão bem descrito em O Livro dos Espíritos, você produzirá o grande milagre do século vindouro: o milagre de união de todos os interesses materiais e espirituais do homem, pela aplicação deste preceito bem compreendido: Amem bastante, para serem amados.
SANSON, antigo da Sociedade Espírita de Paris (1863)
O egoísmo
11. O egoísmo — esta chaga da humanidade — deve desaparecer da Terra, da qual ele impede o progresso moral, e é ao espiritismo que está reservada a tarefa de fazer a Terra elevar-se na hierarquia dos mundos. O egoísmo é, pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes devem apontar suas armas, sua força e sua coragem; eu digo: sua coragem, porque é preciso mais coragem para vencer a si mesmo do que para vencer os outros. Então, que cada um concentre todos os seus esforços em combater o próprio egoísmo, pois esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é a fonte de todas as misérias deste mundo. Ele é a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à felicidade humana.
Jesus lhes deu o exemplo da caridade e Pôncio Pilatos deu o exemplo do egoísmo, pois enquanto o Justo vai percorrer as santas estações de seu martírio, Pilatos lava as mãos, dizendo: Que me importa?! E diz aos judeus: Este homem é justo; por que querem crucificá-lo? — e mesmo assim, ele permite que o conduzam ao suplício.
É a esse antagonismo entre a caridade e o egoísmo, e à invasão dessa lepra do coração humano que o cristianismo deve o fato de ainda não ter cumprido toda a sua missão. Cabe a vocês, novos apóstolos da fé a quem os Espíritos superiores esclarecem, a empreitada e o dever de extirpar esse mal, para dar ao cristianismo toda a sua força e desobstruir a rota dos obstáculos que entravam a sua marcha. Afastem o egoísmo da Terra, para que ela possa gravitar na escala dos mundos, pois já é tempo de a humanidade vestir seu manto viril, e para isso é preciso primeiro expulsar o egoísmo do coração de vocês.
EMMANUEL (Paris, 1861)
12. Se os homens se amassem com um amor recíproco, a caridade seria mais bem praticada; mas, para isso, seria preciso que vocês se esforçassem para se livrar dessa couraça que cobre seus corações, a fim de se tornarem mais sensíveis com aqueles que sofrem. A rigidez mata os bons sentimentos; o Cristo não se desanimava, pois quem se dirigisse a ele, seja quem fosse, jamais era rejeitado: a mulher adúltera, o criminoso, todos eram socorridos por ele; Jesus nunca temeu que a sua reputação pudesse sofrer com isso. Portanto, quando é que vocês vão tomar o Cristo como modelo de todas as suas ações? Se a caridade reinasse na Terra, o ímpio não mais teria influência; ele fugiria envergonhado e se esconderia, porque em toda parte se sentiria deslocado. Aí então a maldade desapareceria, estejam bem certos disso.
Comecem a dar o exemplo por vocês mesmos; sejam caridosos para com todos, indistintamente; esforcem-se para não notar aqueles que olham para vocês com desdém, e deixem a Deus o cuidado de toda a justiça, pois a cada dia, em seu reino, ele separa o joio do trigo.
O egoísmo é a negação da caridade; ora, sem a caridade não existe tranquilidade na sociedade humana; eu digo mais: não existe segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que se dão as mãos, será sempre uma corrida para os mais espertos, uma luta de interesses em que as mais santas afeições são pisoteadas e os laços sagrados da família nem sequer são respeitados.
PASCAL (Sens, 1862)
A fé e a caridade
13. Eu lhes disse anteriormente, meus caros filhos, que a caridade sem a fé não era suficiente para manter entre os homens uma ordem social capaz de os tornar felizes. Eu deveria ter dito que a caridade é impossível sem a fé. Vocês poderão, é verdade, até encontrar impulsos generosos ainda que em pessoas sem religião; mas essa caridade austera que só pode ser exercida com a abnegação e com um sacrifício constante de todo interesse egoísta, somente a fé pode inspirá-la, porque só ela nos faz carregar com coragem e perseverança a cruz desta vida.
Sim, meus filhos, é em vão que o homem ávido de prazeres queira se iludir sobre a sua destinação aqui na Terra, achando que lhe seja permitido se ocupar unicamente com a própria felicidade. É certo que Deus nos criou para sermos felizes na eternidade; no entanto, a vida terrena deve servir apenas para o nosso aperfeiçoamento moral, o qual se adquire mais facilmente com a ajuda dos órgãos físicos e do mundo material. Sem contar as vicissitudes comuns da vida, a diversidade dos gostos de vocês — assim como os seus pendores e as suas necessidades — também é um meio de vocês se aperfeiçoarem, exercitando a caridade. Pois, somente à custa de concessões e de sacrifícios mútuos é que vocês podem manter a harmonia entre elementos tão diversos.
Entretanto, vocês têm razão em afirmar que a felicidade está destinada ao homem aqui neste mundo — desde que vocês a procurem não nos prazeres materiais, mas na bondade. A história da cristandade fala de mártires que caminharam para o suplício com alegria; hoje, e na sociedade de vocês, para ser um cristão não é preciso nem o holocausto do martírio nem o sacrifício da vida, mas única e simplesmente o sacrifício do seu próprio egoísmo, do seu próprio orgulho e da sua própria vaidade. Vocês triunfarão — se a caridade lhes inspirar e se a fé lhes sustentar.
ESPÍRITO PROTETOR (Cracóvia, 1861)
Caridade para com os criminosos
14. A verdadeira caridade é um dos mais sublimes ensinamentos que Deus tem dado ao mundo. Deve existir entre os autênticos discípulos da sua doutrina uma fraternidade completa. Vocês devem amar os infelizes, os criminosos, como criaturas de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos se eles se arrependerem, como a vocês mesmos, pelas faltas que cometem contra a lei divina. Considerem-se mais repreensíveis, mais culpados do que aqueles a quem vocês recusam o perdão e a comiseração, pois muitas vezes eles não conhecem Deus como vocês o conhecem; então eles serão menos cobrados do que vocês.
Não julguem! Oh, meus caros amigos, não julguem! Pois o julgamento que vocês usarem será aplicado ainda mais severamente a vocês, e vocês precisam de indulgência para os pecados que cometem sem cessar. Por acaso não sabem que há muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza e que o mundo nem sequer considera como faltas leves?
A verdadeira caridade não consiste somente na esmola que vocês dão, nem mesmo nas palavras de consolação que com as quais vocês podem acompanhá-la; não, não é apenas isso o que Deus exige de vocês. A caridade sublime ensinada por Jesus consiste também na benevolência concedida sempre e em todas as coisas para com o próximo. Vocês ainda podem exercer essa sublime virtude com as pessoas que não têm nenhuma necessidade de esmolas, mas a quem algumas palavras de amor, de consolação e de encorajamento conduzirão ao Senhor.
A hora está próxima, eu lhes digo de novo, em que a grande fraternidade reinará nesse globo; a lei do Cristo é aquela que governará os homens: somente ela será o freio e a esperança, ela conduzirá as almas às moradas bem-aventuradas. Amem-se, portanto, como filhos de um mesmo Pai; não façam diferença entre os outros infelizes, pois é Deus quem deseja que todos sejam iguais; então não desprezem ninguém; Deus permite que grandes criminosos estejam entre vocês para que eles lhes sirvam de ensinamento. Em breve, quando os homens estiverem submetidos às verdadeiras leis de Deus, não haverá mais necessidade desses ensinamentos, e todos os Espíritos impuros e revoltados serão banidos para mundos inferiores, de acordo com as suas tendências.
Vocês devem o socorro das suas preces àquele de quem falo: essa é a verdadeira caridade. Não se deve falar de um criminoso: “Isso é um miserável; é preciso expurgar a Terra de gente assim; a morte que lhe é infligida é muito branda para um ser dessa espécie.” Não, não é assim que vocês devem falar. Observem o modelo para vocês: Jesus; o que ele diria se visse esse infeliz perto dele? Teria pena dele, iria considerá-lo como um enfermo muito infeliz e lhe estenderia a mão. Vocês não podem fazer o mesmo, na realidade, mas pelo menos vocês podem orar por ele, ajudar o Espírito dele durante alguns instantes que ele ainda deva passar nesta Terra. O arrependimento pode tocar seu coração, se vocês orarem com fé. Ele é seu próximo tanto quanto o melhor dos homens; sua alma, transviada e rebelde, foi criada como a de vocês, para se aperfeiçoar; então, ajudem-no a sair do lamaçal e orem por ele.
ELIZABETH DE FRANÇA (Le Havre, 1862)
Devemos expor a vida por um malfeitor?31
15. Um homem está em perigo de morte; para salvá-lo, alguém precisa expor a própria vida; porém, sabe-se que aquele homem é um malfeitor e que, se ele escapar, poderá cometer novos crimes. Apesar disso, deve-se arriscar para salvá-lo?
Esta é uma questão muito grave e que de fato pode surgir na nossa mente. Eu responderei conforme o meu adiantamento moral, pois nesse ponto, estamos diante do fato de sabermos se alguém deve expor sua própria vida por um malfeitor. O devotamento é cego: socorremos um inimigo; então, devemos socorrer o inimigo da sociedade — numa palavra, a um malfeitor. Vocês acham que é somente da morte que esse infeliz seja resgatado? Talvez, seja de toda a sua vida passada. Imaginem, pois, que nos rápidos instantes em que lhe tiramos os derradeiros minutos de vida, o homem perdido volta ao seu passado, ou melhor, ela se ergue diante dele. A morte, quem sabe, esteja chegando cedo demais para ele e a sua reencarnação poderá ser terrível. Então, lancem-se, homens! Vocês, a quem a ciência espírita já esclareceu; lancem-se, resgatem-no da perdição e, possivelmente, esse homem — que teria morrido blasfemando vocês — se jogará nos seus braços. Todavia, vocês não precisam indagar se fará ou não fará isso; mas vão em socorro dele, porque, salvando-o, vocês estão obedecendo àquela voz do coração que lhes diz: “Podem salvá-lo, salvem-no!”
LAMENNAIS (Paris, 1862)
31 Este subtítulo está ausente na obra original, certamente por um descuido, já que aparece no sumário e no cabeçalho do capítulo; por isso o inserimos aqui, seguindo a ordem das temáticas listadas. — N. T.
