- – O que é preciso para ser salvo. Parábola do Bom Samaritano
- – O maior mandamento
- – Necessidade da caridade segundo Paulo
- – Fora da Igreja não há salvação. Fora da verdade não há salvação
- – INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Fora da caridade não há salvação
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
O que é preciso para ser salvo. Parábola do Bom Samaritano
1. Ora, quando o Filho do homem vier majestosamente, acompanhado de todos os anjos, então se sentará no trono de sua glória; e estando reunidas diante dele todos os povos, ele separará uns dos outros, como um pastor separa as ovelhas dos bodes, e colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda.
Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Venham, vocês que foram abençoados pelo meu Pai, tomem posse do reino que lhes foi preparado desde o começo do mundo, porque eu tive fome e vocês me deram de comer; eu tive sede e me deram de beber; precisei de alojamento e me hospedaram; estive nu e me vestiram; estive doente e me visitaram; fui preso e foram me visitar.
Então, os justos lhe responderão: Senhor, quando foi que nós te vimos com fome e que te demos de comer, ou com sede e que te demos de beber? Quando foi que te vimos sem alojamento e que te hospedamos; ou sem roupa e que te vestimos? E quando foi que te vimos doente ou preso e que fomos te visitar? — E o Rei lhes responderá: Em verdade eu lhes digo, que toda vez que vocês fizeram isso a um destes pequeninos dos meus irmãos, foi a mim mesmo que fizeram tudo isso.
Em seguida, ele dirá a quem estiver à sua esquerda: Afastem-se de mim, malditos; vão para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e para seus anjos, porque eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e não me deram de beber; precisei de alojamento, e não me hospedaram; estive sem roupa, e não me vestiram; fiquei doente e fui preso, e não me visitaram.
Então eles lhe responderão assim: Senhor, quando foi que nós te vimos com fome, com sede, sem alojamento ou sem roupa, doente ou na prisão, e que nós deixamos de te ajudar? — Mas ele lhes responderá: Em verdade eu lhes digo: que toda vez que vocês deixaram de prestar assistência a um destes pequeninos, vocês deixaram de socorrer a mim mesmo.
E então esses irão para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna. (São Mateus, 25: 31 a 46)
2. Então um doutor da lei, levantando-se, disse a ele, para tentá-lo: Mestre, o que eu preciso fazer para possuir a vida eterna? — Jesus lhe respondeu: O que é que está escrito na lei? O Que é que nela vocês leem? — Ele respondeu: Amar o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças e de todo o teu espírito, e a teu próximo como a ti mesmo. —Jesus lhe disse: Você respondeu muito bem; faça isso e você viverá.
Mas esse homem, querendo parecer que era um justo, diz a Jesus: E quem é o meu próximo? — E Jesus, tomando a palavra, lhe diz: Um homem, que voltava de Jerusalém para Jericó, caiu nas mãos de ladrões, que lhe roubaram os pertences, cobriram-no de ferimentos e se foram, deixando-o semimorto. Aconteceu em seguida que um sacerdote descia pelo mesmo caminho e, vendo-o, passou adiante. Um levita, que também vinha pelo mesmo lugar, tendo-o visto, também passou adiante. Mas um samaritano que viajava, chegando ao lugar onde aquele homem estava e vendo-o, ficou tocado de compaixão por ele. Então se aproximou dele, derramou azeite e vinho nas suas feridas e fez curativos; depois, colocando-o no seu cavalo, levou-o a uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, entregou dois denários ao hoteleiro, dizendo-lhe: Trata muito bem deste homem e tudo o que gastar a mais, eu te pagarei quando eu retornar. Qual desses três te parece ter sido o próximo daquele que havia caído nas mãos dos ladrões? — O doutor da lei lhe respondeu: Aquele que exerceu de misericórdia para com ele. — Então vá, diz Jesus, e faça o mesmo. (São Lucas, 10: 25 a 37)
3. Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, quer dizer, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho. Em todos os seus ensinamentos, ele mostra essas duas virtudes como sendo o caminho da eterna felicidade: Bem-aventurado — disse ele — os pobres de espírito, isto é, os humildes, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados aqueles que têm o coração puro; bem-aventurados aqueles que são mansos e pacíficos; bem-aventurados os que são misericordiosos; amem o próximo como a si mesmos; façam aos outros aquilo que gostariam que eles fizessem a vocês; amem seus inimigos; perdoem as ofensas, se quiserem ser perdoados; façam o bem sem ostentação; julguem a vocês mesmos antes de julgarem os outros. Humildade e caridade, eis o que Jesus não cessa de recomendar e do que ele mesmo dá o exemplo. Orgulho e egoísmo, eis o que ele não cansa de combater; mas ele faz mais do que recomendar a caridade: ele a põe nitidamente e em termos explícitos como a condição absoluta da felicidade futura. No quadro que Jesus apresenta do juízo final, é preciso — como em muitas outras coisas — separar a figura e a alegoria. Para homens como aqueles a quem ele falava, ainda incapazes de compreender as coisas puramente espirituais, ele devia apresentar imagens materiais, chocantes e capazes de impressionar; para ser mais bem aceito, ele precisava até mesmo não se afastar muito das ideias conhecidas, quanto à forma, reservando sempre para o futuro a verdadeira interpretação de suas palavras e dos pontos sobre os quais não podiam ser explicados claramente. Mas, ao lado da parte acessória e figurada do quadro, há uma ideia dominante: a da felicidade reservada ao justo e da infelicidade reservada ao homem mau. Naquele julgamento supremo, quais são as considerações da sentença? Sobre o que é o inquérito? Será que o juiz pergunta se essa ou aquela formalidade foi cumprida? Se essa ou aquela prática exterior foi observada a mais ou a menos? Não! Ele só vai inquirir uma coisa: a prática da caridade, e se pronuncia dizendo: Vocês que ajudaram os irmãos, passem à direita; vocês que foram duros para com eles, passem à esquerda. Será que ele se informa sobre a ortodoxia da fé? Será que ele faz qualquer distinção entre aquele que crê de um jeito e aquele que crê de outro modo? Não, pois Jesus coloca o samaritano — considerado herético, mas que tem amor ao próximo — acima do ortodoxo que falta com a caridade. Em suma, Jesus não faz da caridade apenas uma das condições para a salvação, e sim a única condição; se tivessem outras a serem preenchidas, ele as teria mencionado. Já que ele coloca a caridade em primeiro lugar na classe das virtudes, é que ela contém implicitamente todas as outras: a humildade, a doçura, a benevolência, a indulgência, a justiça etc., e porque ela é a negação absoluta do orgulho e do egoísmo.
O maior mandamento
4. Os fariseus, tendo ouvido que ele havia calado a boca dos saduceus, reuniram-se em assembleia; então, um deles, que era doutor da lei, veio lhe fazer esta pergunta, para tentá-lo: Mestre, qual é o maior mandamento da lei? — Jesus lhe respondeu: Ame o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito; este é o maior e o primeiro mandamento. E aqui está o segundo, que é semelhante ao primeiro: Ame o teu próximo como a ti mesmo. Toda a lei e os profetas estão contidos nesses dois mandamentos. (São Mateus, 22: 34 a 40)
5. Caridade e humildade, tal é, portanto, o único caminho da salvação; egoísmo e orgulho, tal é caminho o da perdição. Este princípio está formulado em termos precisos nas seguintes palavras: “Ame a Deus, de toda a tua alma, e ao teu próximo como a ti mesmo; toda a lei e os profetas estão contidos nesses dois mandamentos.” E, para que não haja equívoco quanto à interpretação do amor a Deus e ao próximo, Jesus acrescenta: “E aqui está o segundo mandamento, que é semelhante ao primeiro”; ou seja, que não se pode verdadeiramente amar a Deus sem amar o próximo, nem amar o próximo sem amar a Deus. Por isso, tudo o que se faça contra o próximo é fazê-lo contra Deus. Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com o próximo, todos os deveres do homem se encontram resumidos nesta máxima: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.
Necessidade da caridade segundo Paulo
6. Ainda que eu falasse todas as línguas dos homens e até mesmo a língua dos anjos, se eu não tiver a caridade, eu serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine; ainda que eu tivesse o dom da profecia, que penetrasse todos os mistérios e eu tivesse uma perfeita ciência de todas as coisas; ainda que eu tivesse toda a fé possível, até para transportar montanhas, se eu não tiver a caridade, eu nada sou. E mesmo que eu tivesse distribuído meus bens para alimentar os pobres e que eu tivesse entregado meu corpo para ser queimado, se eu não tiver a caridade, tudo isso não me serviria de nada.
A caridade é paciente; ela é branda e benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária nem precipitada; não se enche de orgulho; nunca é desdenhosa; não procura seus próprios interesses; ela não se irrita nem fica amargurada com coisa alguma; ela não suspeita mal; não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Agora, permanecem essas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade; mas, dentre elas, a mais excelente é a caridade. (São Paulo, 1ª Epístola aos Coríntios, 13: 1 a 7 e 13)
7. São Paulo compreendeu essa grande verdade tão bem que ele disse: “Ainda que eu tivesse a linguagem dos anjos; que eu tivesse o dom da profecia, que eu penetrasse em todos os mistérios; que eu tivesse toda a fé possível, até a de transportar montanhas, se não tiver a caridade, eu nada sou. Dentre estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade, a mais excelente é a caridade.” Desta forma, sem equívoco, ele coloca a caridade acima até mesmo da fé; é que a caridade está ao alcance de todo o mundo, do ignorante ao sábio, do rico ao pobre, e porque ela independe de qualquer crença particular. E Paulo faz mais: ele define a verdadeira caridade, mostrando-a não só na beneficência, mas também na união de todas as qualidades do coração, na bondade e na benevolência com relação ao próximo.
Fora da Igreja não há salvação – Fora da verdade não há salvação
8. Enquanto a máxima Fora da caridade não há salvação se apoia num princípio universal e abre a todos os filhos de Deus o acesso à suprema felicidade, o dogma Fora da Igreja não há salvação se apoia não na fé fundamental em Deus e na imortalidade da alma, fé comum a todas as religiões, mas numa fé especial, em dogmas particulares; é exclusivo e absoluto; em vez de unir os filhos de Deus, este dogma os divide; em vez de incitá-los ao amor pelos seus irmãos, ele alimenta e sanciona a irritação entre os sectários dos diferentes cultos que se consideram reciprocamente malditos na eternidade — sejam eles parentes ou amigos nesse mundo. Ignorando a grande lei de igualdade perante o túmulo, tal dogma os separa até no campo de repouso. Já a máxima Fora da caridade não há salvação é a consagração do princípio da igualdade perante Deus e da liberdade de consciência; tendo esta máxima como regra, todos os homens se tornam irmãos, e qualquer que seja sua maneira de adorar o Criador, eles se estendem as mãos e oram uns pelos outros. Com o dogma Fora da Igreja não há salvação, eles se lançam o anátema, se perseguem entre si e vivem como inimigos; o pai não ora pelo filho nem o filho pelo pai, nem o amigo pelo amigo, já que eles se consideram reciprocamente condenados sem remissão. De tal jeito, esse dogma é essencialmente contrário aos ensinamentos do Cristo e à lei evangélica.
9. Fora da verdade não há salvação seria equivalente a Fora da Igreja não há salvação, e seria igualmente exclusivista, porque não existe uma única seita que não pretenda ter o privilégio da verdade. Qual é o homem que pode se vangloriar de possuir a verdade integralmente, já que o círculo dos conhecimentos aumenta sem cessar, e já que as ideias se retificam a cada dia? A verdade absoluta só é compartilhada entre os Espíritos da ordem mais elevada, e a humanidade terrena não poderia pretender fazer parte disso, porque não lhe é dado saber tudo; ela só pode aspirar a uma verdade relativa e proporcional ao seu adiantamento. Se Deus tivesse feito da posse da verdade absoluta a condição expressa da felicidade futura, então isso seria um decreto de interdição geral; ao passo que a caridade — mesmo na sua acepção mais ampla — pode ser praticada por todos. Em conformidade com o Evangelho, o espiritismo — admitindo que qualquer um pode ser salvo independentemente da sua crença, mas desde que siga a lei de Deus — não decreta: Fora do espiritismo não há salvação; e, como ele também não pretende ensinar toda a verdade, tampouco ele decreta: Fora da verdade não há salvação — máxima que, em lugar de unir, causaria divisão e perpetuaria os antagonismos.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Fora da caridade não há salvação
10. Meus filhos, na máxima: Fora da caridade não há salvação, estão contidos os destinos dos homens na Terra e no céu; na Terra, porque sob a proteção desse estandarte eles viverão em paz; no céu, porque os que a tiverem praticado encontrarão graça diante do Senhor. Esse emblema é a tocha celeste, a coluna luminosa que guia o homem no deserto da vida para o conduzir à Terra Prometida, e ela brilha no céu como uma auréola santa na fronte dos eleitos, e na Terra se acha gravada no coração daqueles a quem Jesus dirá: Passem à direita vocês, os benditos de meu Pai. Vocês reconhecem esses eleitos pelo perfume de caridade que eles espalham ao redor deles. Nada exprime melhor o pensamento de Jesus, nada resume melhor os deveres do homem do que essa máxima de ordem divina. O Espiritismo não poderia provar melhor a sua origem do que a apresentando como regra, pois ela é o reflexo do mais puro cristianismo; com um guia como esse, o homem nunca se perderá. Por essa razão, meus amigos, dediquem-se a compreender o seu sentido profundo e as suas consequências; dediquem-se a buscar para vocês mesmos todas as suas aplicações. Submetam todas as suas ações ao controle da caridade e a sua consciência lhes responderá; não só ela evitará que vocês façam o mal como também lhes fará praticar o bem — já que não basta uma virtude negativa: é necessária uma virtude ativa. Para fazermos o bem, é preciso sempre a ação da vontade; para não fazer o mal, basta muitas vezes a inércia e a indiferença.
Meus amigos, agradeçam a Deus que permitiu que vocês pudessem gozar da luz do espiritismo; não é que somente aqueles que possuem essa luz possam ser salvos, e sim porque, ajudando-os a compreender melhor os ensinos do Cristo, ela faz de vocês cristãos melhores. Portanto, façam com que, ao observarem vocês, todos possam dizer que ser um verdadeiro espírita e ser um verdadeiro cristão significam uma só e a mesma coisa, pois todos aqueles que praticam a caridade são discípulos de Jesus, seja qual for o culto a que pertençam.
PAULO, apóstolo (Paris, 1860)
