O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
- – Parábola do festim de núpcias
- – A porta estreita
- – Nem todos que dizem “Senhor! Senhor!” entrarão no reino dos céus
- – Muito se pedirá a quem muito recebeu
- – INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Será dado mais àquele que tem
- – Reconhece-se o cristão pelas suas obras
Parábola do festim de núpcias
1. Falando novamente por parábolas, Jesus disse a eles:
O reino dos céus se assemelha a um rei que, querendo festejar o casamento de seu filho, envia seus servos para chamar para as bodas aqueles que tinham sido convidados; mas estes recusaram a ir à festa. Então ele envia outros servos com ordem de dizer da sua parte aos convidados: Eu preparei a minha ceia, mandei matar os meus bois e tudo o que mandei engordar; tudo está pronto; vinham às núpcias. Eles, porém, sem se importarem com isso, foram embora, um para a sua casa de campo, outro para o seu negócio. Os outros pegaram os servos e os mataram, depois de terem feito vários ultrajes contra eles. O rei, ao saber disso, ficou tomado de cólera e, tendo enviado seus exércitos, exterminou esses assassinos e incendiou a cidade deles.
Então, ele disse a seus servos: A festa das bodas está toda pronta, mas aqueles que tinham sido convidados não eram dignos dela. Vão, portanto, aos quatro cantos e chamem para as bodas todos aqueles que encontrarem. Os servos então saíram pelas ruas, reunindo todos os que encontraram, bons e maus; a sala das bodas ficou cheia de pessoas que se puseram à mesa.
O rei entrou em seguida para ver os que estavam à mesa e ali percebendo um homem que não estava vestido com a túnica nupcial, disse-lhe: Meu amigo, como conseguiu entrar aqui sem a túnica nupcial? E o homem ficou calado. Então, o rei disse à sua gente: Amarrem-lhes as mãos e os pés e lancem-no nas trevas exteriores: aí é que haverá prantos e ranger de dentes; porque muitos são chamados e poucos são escolhidos. (São Mateus, 22: 1 a 14)
2. O incrédulo ri dessa parábola, que lhe parece de uma pueril ingenuidade, por não compreender que se possa fazer tantas dificuldades para participar a uma festa, e ainda menos que os convidados levem a resistência a ponto de massacrar os enviados do dono da casa. Diz ele: “Sem dúvidas, as parábolas são representações, mas ainda assim é preciso que elas não saiam dos limites do verossímil.”
Podemos dizer o mesmo de todas as alegorias, das mais engenhosas fábulas — se elas não forem despojadas de seu envoltório, para procurarmos o seu significado oculto. Jesus tirou suas parábolas dos costumes mais comuns da vida e as adaptou aos hábitos e ao caráter do povo a quem ele falava; a maior parte delas tinha como objetivo fazer penetrar nas multidões a ideia da vida espiritual; o seu sentido muitas vezes parece ininteligível só porque não partimos desse ponto de vista.
Nesta parábola, Jesus compara o reino dos céus — em que tudo é alegria e felicidade — a uma festa. Pelos primeiros convidados, ele faz alusão aos hebreus, os primeiros que Deus tinha chamado ao conhecimento da sua lei. Os enviados do Senhor são os profetas que vinham exortá-los a seguir o caminho da verdadeira felicidade; mas suas palavras pouco eram ouvidas, suas advertências eram desprezadas, inclusive vários deles foram massacrados como os servos da parábola. Os convidados que se desculparam sob o pretexto de suas ocupações com seus campos e com seus negócios, estes eram a representação das pessoas mundanas que, absorvidas pelas coisas terrenas, ficam indiferentes às coisas celestiais.
Era uma crença entre os judeus daquela época que a sua nação devia conquistar a supremacia sobre todas as outras. De fato, Deus não havia prometido a Abraão que a sua posteridade iria cobrir toda a Terra? Mas, como sempre, tomando a forma no lugar do fundamento, eles acreditavam em uma dominação efetiva e material.
Antes da vinda do Cristo, com exceção dos hebreus, todos os povos eram idólatras e politeístas. Se alguns homens superiores ao padrão concebiam a ideia de unidade divina, essa ideia permaneceu na condição de teoria pessoal, mas em nenhuma parte ela foi aceita como uma verdade fundamental, a não ser por alguns iniciados que ocultavam seus conhecimentos sob um véu misterioso, impenetrável para as multidões. Os hebreus foram os primeiros que praticaram publicamente o monoteísmo; é a eles que Deus transmite a sua lei, inicialmente através de Moisés e depois com Jesus; foi daquele pequeno foco que partiu a luz que devia se espalhar pelo mundo inteiro, devia triunfar sobre o paganismo e dar a Abraão uma posteridade espiritual “tão numerosa quanto as estrelas do firmamento.” Mas os judeus, rejeitando totalmente a idolatria, tinham negligenciado a lei moral para se dedicarem à prática mais fácil das formalidades exteriores. O mal estava no auge: a nação escravizada ficou dilacerada pelas facções, dividida pelas seitas; a própria incredulidade havia penetrado até no santuário. Foi então que apareceu Jesus, enviado para chamá-los aos cumprimento da lei e para lhes abrir os novos horizontes da vida futura. Sendo os primeiros convidados para o grande banquete da fé universal, eles rechaçaram a palavra do Messias celestial e o mataram; foi assim que eles perderam o fruto teriam colhido de sua iniciativa.
Seria injusto, porém, acusarmos o povo inteiro por tal estado de coisas; a responsabilidade disso recai principalmente sobre os fariseus e os saduceus, que levaram a nação à perdição — pelo orgulho e fanatismo de uns e pela incredulidade dos outros. São eles, sobretudo, quem Jesus associa aos convidados que se recusam a comparecer ao banquete de núpcias. Depois, acrescenta: “Vendo isso, o Senhor mandou convidar todos aqueles que encontrassem nos quatro cantos, bons e maus.” Ele queria dizer com isso que a palavra ia ser pregada a todos os outros povos, pagãos e idólatras, e se estes a aceitassem, então seriam recebidos no festim, no lugar dos primeiros convidados.
Contudo, não basta ser convidado, não basta ter o nome de cristão, nem se sentar à mesa para fazer parte do banquete celestial: é preciso antes de tudo — e sob condição expressa — estar revestido da túnica nupcial, isto é, ter pureza de coração e praticar a lei segundo o espírito; ora, essa lei está inteiramente contida nestas palavras: Fora da caridade não há salvação. Todavia, entre todos aqueles que ouvem a palavra divina, quão poucos são os que a guardam e a colocam em prática! Quão poucos se tornam dignos de entrar no reino dos céus! Eis por que Jesus disse: Muitos serão chamados e poucos os escolhidos.
A porta estreita
3. Entrem pela porta estreita, porque a porta da perdição é larga e o caminho que a ela conduz é espaçoso, e há muitos que por aí entram. Como é pequena a porta da vida! Como é estreito o caminho que a ela conduz! E como são poucos os que a encontram! (São Mateus, 7: 13 e 14)
4. Tendo alguém feito a ele esta pergunta: Senhor, serão poucos os salvos? — ele respondeu: Esforcem-se para entrar pela porta estreita, pois eu lhes asseguro que muitos procurarão passar por ela e não conseguirão. E quando o pai de família tiver entrado e fechar a porta, e quando vocês, estando de fora, começarem a bater, dizendo: Senhor, abra a porta para nós; ele lhes responderá: Eu não sei de onde vocês são. Então vocês começarão a dizer: Nós temos comido e bebido na tua presença, e você tem ensinado nas nossas praças públicas. Ele lhes responderá: Não sei de onde vocês são; afastem-se de mim, todos vocês que cometeram a iniquidade.
Acontecerá então que haverá prantos e ranger de dentes, quando vocês virem que Abraão, Isaque, Jacó e todos os profetas estarão no reino de Deus e que vocês serão expulsos. Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e farão parte do festim no reino de Deus. Então aqueles que são os últimos serão os primeiros e os que são os primeiros serão os últimos. (São Lucas, 13: 23 a 30)
5. A porta da perdição é larga porque as más paixões são numerosas e porque a rota do mal é frequentada pelo grande maioria. A porta da salvação é estreita porque o homem que quer transpô-la deve fazer grandes esforços em si mesmo para vencer suas más tendências, e porque são poucos os que se resignam a isso. Isso é o complemento da máxima: Muitos são os chamados e poucos os escolhidos.
Tal é a situação atual da humanidade terrena, porque como a Terra é um mundo de expiação, nela o mal predomina; quando ela for transformada, a estrada do bem será a mais frequentada. Portanto, aquelas palavras devem ser entendidas no sentido relativo, e não no sentido absoluto. Se esse tivesse que ser o estado normal da humanidade, então Deus teria voluntariamente condenado à perdição a imensa maioria de suas criaturas — uma suposição inadmissível, desde que se reconheça que Deus é todo justiça e todo bondade.
Mas de que malfeitos esta humanidade poderia ter sido culpada para merecer um destino tão triste, no presente e no futuro, se toda ela estivesse relegada à Terra e se a alma não tivesse tido outras existências? Por que tantos entraves semeados no seu caminho? Por que essa porta tão estreita que só uma pequena minoria consegue transpassar, se o destino da alma é determinado para sempre logo após a morte? É assim que com a unicidade da existência a pessoa está sempre em contradição consigo mesma e com a justiça de Deus. Agora com a anterioridade da alma e a pluralidade dos mundos, o horizonte se alarga; a luz se faz sobre os pontos mais obscuros da fé; o presente e o futuro tornam-se solidários com o passado; só então podemos compreender toda a profundeza, toda a verdade e toda a sabedoria das máximas do Cristo.
Nem todos que dizem “Senhor! Senhor!” entrarão no reino dos céus37
6. Nem todos que me dizem: “Senhor! Senhor!” entrarão no reino dos céus; mas somente entrará aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão nesse dia: “Senhor! Senhor! Nós não profetizamos em teu nome? Não expulsamos o demônio em teu nome? Não fizemos muitos milagres em teu nome?” E então eu lhes direi em voz alta: Afastem-se de mim, vocês que fazem obras de iniquidade. (São Mateus, 7: 21 a 23.)
7. Aquele, pois, que ouve estas palavras que eu digo e as pratica será comparado a um homem sábio que construiu sua casa sobre a pedra; e quando a chuva caiu, quando os rios transbordaram e os ventos sopraram e bateram contra essa casa, ela não tombou, porque ela foi fundada sobre a pedra. Mas aquele que ouve estas palavras que eu digo e não as pratica, será semelhante a um homem insensato que construiu sua casa sobre a areia; e quando a chuva caiu, quando os rios transbordaram e os ventos sopraram e bateram contra essa casa, ela desmoronou, e sua ruína foi grande. (São Mateus, 7: 24 a 27; são Lucas, 6: 46 a 49)
8. Aquele, pois, que violar um destes menores mandamentos e que ensinar aos homens a violá-los, este será considerado no reino dos céus como o último; mas aquele que os cumprir e ensinar, este será grande no reino dos céus. (São Mateus, 5: 19)
9. Todos aqueles que reconhecem a missão de Jesus dizem: “Senhor! Senhor!” Mas de que serve chamar Mestre ou Senhor e não seguir os seus preceitos? Será que são cristãos aqueles que o honram por atos exteriores de devoção e ao mesmo tempo se entregam ao orgulho, ao egoísmo, à cupidez e a todas as suas paixões? Serão seus discípulos aqueles que passam dias em oração e não se tornam nem melhores, nem mais caridosos, nem mais indulgentes para com seus semelhantes? Não; porque, assim como os fariseus, eles têm a prece nos lábios e não no coração. Pela formalidade, eles poderão se impor aos homens, mas não a Deus. É em vão que eles digam a Jesus: “Senhor, nós profetizamos, quer dizer, ensinamos em teu nome; nós expulsamos demônios em teu nome, comemos e bebemos contigo!” Ele lhes responderá: “Eu não sei quem vocês são; afastem-se de mim, vocês que cometem iniquidades, vocês que desmentem suas palavras com seus atos, que caluniam o próximo, que espoliam as viúvas e cometem adultério; afastem-se de mim, vocês cujo coração destila ódio e fel, vocês que derramam o sangue dos irmãos em meu nome, que fazem escorrer lágrimas, em vez de secá-las. Para vocês, haverá prantos e ranger de dentes, pois o reino de Deus é para aqueles que são mansos, humildes e caridosos. Não esperem distorcer a justiça do Senhor pela multiplicidade das suas palavras e das suas genuflexões; a única via está aberta para vocês a fim de encontrarem graça diante dele é a da prática sincera da lei de amor e de caridade.”
As palavras de Jesus são eternas, porque elas significam a verdade. Elas não são apenas a salvaguarda da vida celeste, mas também a promessa da paz, da tranquilidade e da estabilidade nas coisas da vida terrestre; é por isso que todas as instituições humanas — políticas, sociais e religiosas — que se apoiarem nessas palavras serão estáveis como a casa construída sobre a rocha; os homens as conservarão, porque nelas encontrarão a sua felicidade; mas, quanto às instituições que forem uma violação daquelas palavras, estas serão como a casa edificada sobre a areia: o vento das revoluções e o rio do progresso as arrastarão.
Muito se pedirá a quem muito recebeu
10. O servo que souber a vontade do seu senhor e que mesmo assim não estiver pronto e não tiver feito o que o seu senhor queira dele, este servo será rudemente castigado; mas aquele que não souber da sua vontade e que fizer coisas dignas de castigo, este será menos punido. Muito se pedirá àquele a quem muito foi dado, e se cobrará mais daquele a quem foi confiado mais coisas. (São Lucas, 12: 47 e 48)
11. Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que aqueles que não veem possam ver e aqueles que veem se tornem cegos. — Alguns fariseus que estavam com ele ouviram essas palavras e lhe perguntaram: Por acaso, nós também somos cegos? — Jesus lhes respondeu: Se vocês fossem cegos, não teriam pecados; mas, agora, vocês dizem que vocês veem, e é por isso que o seu pecado permanece em vocês. (São João, 9: 39 a 41)
12. Essas máximas encontram sua aplicação principalmente no ensinamento dos Espíritos. Qualquer um que conheça os preceitos do Cristo certamente é culpado quando não os praticar. Mas, além do fato de que o Evangelho que os contém só ter sido divulgado nas seitas cristãs, dentre estas seitas, quantas pessoas não o leem, e entre as que leem, quantas dessas pessoas não o compreendem! Disso resulta que as próprias palavras de Jesus estão perdidas para a grande maioria.
O ensinamento dos Espíritos que reproduz essas máximas sob diferentes formas, que as desenvolve e as comenta, para colocá-las ao alcance de todos, tem de particular o fato de que não está circunscrito, e que cada pessoa, letrada ou iletrada, crente ou incrédula, cristã ou não, pode receber esse ensinamento, já que os Espíritos se comunicam por toda parte; entre aquelas que o recebem — diretamente ou por intermédio de outra pessoa — nenhuma pode alegar ignorância; não pode se desculpar nem pela falta de instrução, nem pela dificuldade do sentido alegórico. Portanto, a pessoa que não aproveita essas máximas para se melhorar, que as admira como coisas interessantes e curiosas, sem que seu coração fique sensibilizado, que não se torna nem menos vã, nem menos orgulhosa, nem menos egoísta, nem menos apegada aos bens materiais, nem melhor para com seu próximo, então esta pessoa é tão mais culpada quanto mais meios de conhecer a verdade ela teve.
Os médiuns que obtêm boas comunicações são ainda mais repreensíveis por persistirem no mal, porque muitas vezes eles escrevem sua própria condenação e porque, se não estivessem cegos pelo orgulho, eles então reconheceriam que é para eles que os Espíritos estão se dirigindo. Mas em vez de tomarem para si as lições que eles escrevem ou que veem serem escritas, seu único pensamento é o de aplicar essas comunicações aos outros, confirmando assim estas palavras de Jesus: “Vocês enxergam um cisco no olho do vizinho e não enxergam a trave que está no próprio olho.” (Cap. X, item 9.)
Por este outro preceito: “Se vocês fossem cegos, então não teriam pecados”, Jesus entende que a culpabilidade é proporcional aos conhecimentos que a pessoa tenha; ora, os fariseus — que tinham a pretensão de ser, e que de fato eram, a parte mais esclarecida da nação — tornavam-se mais repreensíveis aos olhos de Deus do que o povo ignorante. É o mesmo que acontece hoje.
Desta maneira, aos espíritas será pedido bastante, porque eles receberam muito; mas também, àqueles que tiverem aproveitado, muito será dado.
O primeiro pensamento de todo espírita sincero deve ser o de procurar nos conselhos dados pelos Espíritos se há algo que possa lhe interessar.
O espiritismo vem multiplicar o número dos chamados, e pela fé que ele proporciona, multiplicará também o número dos escolhidos.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Será dado mais àquele que tem
13. Seus discípulos, aproximando-se, lhe disseram: Por que o senhor fala com eles por parábolas? — E, respondendo-lhes, ele disse: É porque, para vocês, foi-lhes dado a conhecer os mistérios do reino dos céus; mas para os outros, isso não foi dado a eles. Porque, àquele que já tem, será dado ainda mais e ele ficará na abundância; mas àquele que não tem, será tirado até mesmo o que ele tem. Eis por que eu falo a eles por parábolas; porque, vendo, eles nada enxergam, e ouvindo, eles nada escutam e nem compreendem. E a profecia de Isaías se cumpre neles, quando diz: Vocês ouvirão com os ouvidos e nada entenderão; vocês verão com os olhos e nada enxergarão. (São Mateus, 13: 10 a 14)
14. Prestem bem a atenção no que ouvem: pois, usarão com vocês a mesma medida com a qual vocês tiverem usado com os outros; e mais ainda lhes será acrescentado; pois, será dado mais àquele que já tem, e àquele que não tem, será tirado até o que ele tem. (São Marcos, 4: 24 e 25)
15. “Será dado mais ao que já tem e será tirado daquele que não tem.” Meditem sobre esses grandes ensinamentos, que muitas vezes vão parecer paradoxais para vocês. Aquele que recebeu é aquele que entende o sentido da palavra divina; ele só a recebeu porque tentou se tornar digno dela e porque o Senhor, no seu amor misericordioso, encoraja os esforços que tendem para o bem. Esses esforços — elevados e perseverantes — atraem as graças do Senhor; é um ímã que chama para si o que é progressivamente melhor, as bênçãos abundantes que os tornam fortes para subir a montanha santa, no cume da qual está o repouso após o trabalho.
“Será tirado daquele que não tem ou tem pouco.” Tomem isso como uma oposição figurada. Deus não retira das suas criaturas o bem que ele tenha dignado de fazer a elas. Homens cegos e surdos, abram sua inteligência e seus corações! Vejam pelo espírito; ouçam pela alma e não interpretem de uma maneira tão grosseiramente injusta as palavras daquele que fez resplandecer aos olhos de vocês a justiça do Senhor. Não é Deus quem retira daquele que pouco recebeu, mas sim é o próprio Espírito que, por ser esbanjador e descuidado, não sabe conservar o que tem e aumentar, fecundando-o, o óbolo que caiu no seu coração.
Quem não cultiva o campo conquistado com o trabalho do pai e o qual ele herdou, este vê esse campo se cobrir de ervas e parasitas. Será que é o pai quem tira do filho as colheitas que este não quis preparar? Se ele deixou murchar as sementes destinadas a produzir nesse campo, por falta de cuidado, será que ele deve acusar seu pai por elas não produzirem nada? Não, não! Ao invés de acusar aquele que havia preparado tudo para ele, ou de criticar seus dons, que ele acuse o verdadeiro autor de suas misérias, e que então, arrependido e proativo, ele se ponha à obra com coragem; que cultive o solo ingrato com o esforço de sua vontade; que ele lavre fundo, com a ajuda do arrependimento e da esperança; que lance aí, com confiança, a semente que tiver selecionado como boa dentre as más; que ele a regue com o seu amor e a sua caridade; então, Deus — o Deus de amor e de caridade — dará àquele que já recebeu. E aí ele verá seus esforços serem coroados com o sucesso, e verá um grão produzir cem e outro produzir mil. Coragem, lavradores! Peguem seus arados e suas charruas; lavrem seus corações; arranquem deles o joio; semeiem o bom grão que o Senhor confia a vocês, e o orvalho do amor lhe fará produzir frutos de caridade.
UM ESPÍRITO AMIGO (Bordeaux, 1862)
Reconhece-se o cristão pelas suas obras
16. “Nem todos que me dizem: ‘Senhor! Senhor!’ entrarão no reino dos céus, mas somente aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus.”
Escutem essa palavra do mestre, todos vocês que rejeitam a doutrina espírita como se fosse uma obra do demônio. Abram seus ouvidos, pois o momento de ouvir já chegou.
Será que basta vestir uma batina para ser um fiel servidor? Basta dizer “Eu sou cristão” para seguir o Cristo? Procurem os verdadeiros cristãos e vocês os reconhecerão pelas suas obras. “Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má pode dar frutos bons.” — “Toda árvore que não dá bons frutos é cortada e jogada ao fogo.” Eis as palavras do mestre; discípulos do Cristo, compreendam bem essas palavras. Quais são os frutos que deve dar a árvore do cristianismo, árvore possante cujos ramos frondosos cobrem com a sua sombra uma parte do mundo, mas que ainda não abrigaram todos aqueles que deveriam se reunir em torno dessa árvore? Os frutos da árvore da vida são os frutos de vida, de esperança e de fé. O cristianismo — tal como o fizeram depois de muitos séculos — sempre prega essas virtudes divinas; ele procura disseminar seus frutos, mas quão poucos os colhem! A árvore é sempre boa, mas os jardineiros são maus. Eles quiseram adaptá-la às ideias deles, quiseram modelá-la segundo suas necessidades; eles a cortaram, a reduziram e a mutilaram; seus ramos estéreis não dão maus frutos porque já não produzem mais frutos. O viajante sedento que se detém sob a sua sombra para procurar o fruto da esperança — que deveria lhe restabelecer a força e a coragem — só se depara com ramos áridos que pressentem a tempestade. Em vão ele pede o fruto de vida à árvore da vida: suas folhas ressecadas caem murchas; a mão do homem tanto as maltratou que elas se queimaram.
Abram, pois, os ouvidos e os corações, meus bem-amados! Cultivem essa árvore da vida cujos frutos dão a vida eterna. Aquele que a plantou os convida a tratá-la com amor, e vocês ainda irão vê-la dar seus frutos divinos em abundância. Conservem-na tal como o Cristo a entregou para vocês: não a mutilem; sua sombra imensa quer se estender sobre o Universo: não cortem seus ramos. Seus frutos benfeitorados caem abundantemente para nutrir o viajor sedento que deseja alcançar seu destino; não amontoem esses frutos para os armazenar e deixar apodrecer até que não sirvam a ninguém. “Muitos são chamados e poucos são escolhidos” — é que há monopolizadores do pão da vida, como há os do pão material. Não se coloquem entre eles; a árvore que dá bons frutos deve distribuí-los para todos. Então, vão buscar aqueles que estão sedentos e os conduzam para debaixo dos galhos da árvore e compartilhem com eles o abrigo que ela oferece a vocês. “Não se colhem uvas dos espinhos.” Meus amigos, afastem-se daqueles que os chamam para lhes apresentar as sarças do caminho, mas sigam aqueles que os conduzem para a sombra da árvore da vida.
O divino Salvador, o justo por excelência, disse, e suas palavras não passarão: “Nem todos que me dizem: ‘Senhor! Senhor!’ entrarão no reino dos céus, mas somente aqueles que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus.”
Que o Senhor de bênçãos os abençoe; que o Deus de luz os ilumine; que a árvore da vida derrame sobre vocês seus frutos com abundância! Creiam e orem.
SIMEÃO (Bordeaux, 1863)
37 Na obra original, no lugar deste subtítulo consta apenas o equivalente à expressão “Aqueles que dizem: Senhor! Senhor!” (Ceux qui disent : Seigneur ! Seigneur !), diferentemente do que aparece no sumário e no cabeçalho do capítulo (Ceux qui disent : Seigneur ! Seigneur ! n’entreront pas tous dans le royaume des cieux) que corresponde ao texto utilizado nesta tradução para este subtítulo. — N. T.
38 Obviamente, uma referência ao já longínquo século XIX. — N. T.
39 Na obra original (referente à 4ª edição, de 1868), muito provavelmente por um descuido da montagem tipográfica do livro, a transcrição desta mensagem termina neste ponto, inclusive com a ausência do nome do Espírito comunicante, assim como o local e o ano de recebimento da mensagem. Contudo, para esta tradução, fomos buscar o complemento desta mesma comunicação na 1ª edição da obra (1864), conforme segue adiante à marcação desta nota de rodapé. — N. T.