- –Qualidades da prece
- – Eficácia da prece
- – Ação da prece. Transmissão do pensamento
- – Preces inteligíveis
- – Prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores
- –INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Maneira de orar
- – Felicidade da prece
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
Qualidades da prece
1. Quando estiverem orando, não se assemelhem aos hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas para serem vistos pelos homens. Eu lhes digo, em verdade, que eles já receberam a recompensa deles. Mas quando quiserem orar, entrem no seu quarto e, a porta estando fechada, orem em segredo ao Pai de vocês; e o Pai de vocês, que vê o que se passa em segredo, recompensará vocês.
Não tratem de pedir muito nas suas preces, como fazem os pagãos, que acham que é pela quantidade de palavra que eles serão atendidos. Não se tornem, pois, semelhantes a eles, porque o Pai de vocês sabe do que é que vocês têm necessidade antes que o peçam. (São Mateus, 6: 5 a 8)
2. Quando forem orar, se vocês tiverem qualquer coisa contra alguém, perdoem-no, a fim de que o Pai de vocês, que está nos céus, também perdoe os pecados de vocês. Se não perdoarem, o Pai de vocês, que está nos céus, também não perdoará os pecados de vocês. (São Marcos, 11: 25 e 26)
3. Ele contou também esta parábola a alguns que colocavam a sua confiança em si mesmos, como sendo justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro era um publicano. O fariseu, mantendo-se de pé, orava assim, consigo mesmo: Meu Deus, eu te rendo graças por não ser como o resto dos outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, incluindo esse publicano. Eu faço jejum duas vezes na semana, eu dou o dízimo de tudo o que possuo. O publicano, ao contrário, permanecendo afastado, não ousava sequer erguer os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, tenha piedade de mim, que sou um pecador. Eu declaro a vocês que este retornou para sua casa justificado, e não o outro, pois aquele que se eleva será rebaixado e aquele que se rebaixa será elevado. (São Lucas, 18: 9 a 14)
4. As qualidades da prece foram claramente definidas por Jesus; quando for orar — diz ele — não se ponham em evidência, mas orem em segredo; não tratem de orar muito, pois não é pela multiplicidade das palavras que vocês serão atendidos, mas pela sinceridade das palavras; antes de orar, se tiverem qualquer coisa contra alguém, perdoem-no, porque a prece não pode ser agradável a Deus se ela não parte de um coração purificado de todo sentimento contrário à caridade; orem, enfim, com humildade, igual ao publicano, e não com orgulho, igual ao fariseu; examinem seus próprios defeitos e não as suas qualidades, e se vocês forem se comparar com os outros, procurem o que há de mau em si mesmo. (Cap. X, itens 7 e 8.)
Eficácia da prece
5. Seja lá o que for que vocês pedirem na prece, creiam que vocês o obterão, e assim será concedido a vocês. (São Marcos, 11: 24)
6. Há pessoas que contestam a eficácia da prece, e elas se baseiam no princípio de que, já que Deus conhece as nossas necessidades, é supérfluo expô-las a ele. Acrescentam ainda que, como tudo se encadeia no Universo por leis eternas, as nossas súplicas não podem mudar os decretos de Deus.
Sem dúvida alguma há leis naturais e imutáveis que Deus não pode derrogar segundo o capricho de cada um; mas daí a achar que todas as circunstâncias da vida estão submetidas à fatalidade, a distância é grande. Se fosse assim, o homem não seria mais do que um instrumento passivo, sem livre-arbítrio e sem iniciativa. Nessa hipótese, ele só teria que curvar a cabeça sob o golpe de todos os acontecimentos, sem procurar evitá-los; não deveria tentar desviar-se do raio. Deus não lhe deu a razão e a inteligência para ele não a usar, nem a vontade para ele não querer, nem a atividade para ele ficar inativo. O homem sendo livre para agir num sentido ou em outro, seus atos têm — para ele mesmo e para os outros — consequências subordinadas ao que ele faz ou deixa de fazer; por iniciativa dele, portanto, há eventos que forçosamente escapam da fatalidade e que não destroem a harmonia das leis universais, assim como o avanço ou o atraso do ponteiro de um relógio não destrói a lei do movimento sobre a qual se estabelece o mecanismo. Sendo assim, Deus pode conceder certos pedidos sem derrogar a imutabilidade das leis que regem o conjunto, estando essa sua concessão sempre subordinada à sua vontade.
7. Seria ilógico concluir desta máxima: “Seja lá o que for que vocês pedirem na prece, assim será concedido a vocês”, que bastaria pedir para obter, e seria injusto acusar a Providência se ela não atendesse a todo pedido que lhe fosse feito, pois ela sabe melhor do que nós aquilo que é para o nosso bem. É o mesmo que acontece com um pai sábio que recusa ao filho as coisas contrárias ao interesse a este filho. O homem geralmente não vê além do presente; ora, se o sofrimento for útil para a sua felicidade futura, então Deus o deixará sofrer, como o cirurgião deixa o doente sofrer as dores de uma operação que deve lhe trazer a cura.
O que Deus concederá ao homem, quando este se dirigir a Deus com confiança, é a coragem, a paciência e a resignação. O que Deus também lhe concederá são os meios de ele mesmo se livrar das dificuldades, com a ajuda das ideias que Deus fará os bons Espíritos lhe sugerirem, deixando assim ao homem o mérito. Deus auxilia os que ajudam a si mesmos, segundo esta máxima: “Ajuda-te e o céu te ajudará”, e não aqueles que esperam tudo de um socorro estranho sem fazer uso das suas próprias faculdades; entretanto, na maior parte do tempo, o que o homem preferiria ser socorrido por um milagre sem precisar fazer nada. (Cap. XXV, item 1 e seguintes.)
8. Vamos pegar um exemplo. Um homem está perdido no deserto; ele sofre terrivelmente de sede, sente-se desfalecer e tomba no chão; ele pede a Deus que o ajude, e espera; porém, nenhum anjo vem lhe dar de beber. Entretanto, um bom Espírito lhe sugere a ideia de se levantar e seguir uma das trilhas que se apresenta diante dele; então, por um movimento maquinal, reunindo suas forças ele se levanta e segue a aventura. Chegando ao alto, ele repara ao longe um riacho; à vista disso, ele retoma a coragem. Se ele tiver fé, então exclamará: “Obrigado, meu Deus, pela ideia que me inspirou e pela força que me concedeu.” Se não tiver fé, ele dirá: “Que boa ideia eu tive! Que sorte eu tive de seguir a trilha da direita em vez da trilha da esquerda; o acaso realmente nos serve às vezes! Quanto me felicito pela minha coragem e por não ter me deixado abater!”
Mas, vão dizer: “Por que o bom Espírito não lhe disse claramente para seguir aquela trilha e que no fim dela ele encontraria aquilo de que necessitava? Por que não se mostrou a ele para guiá-lo e sustentá-lo no seu desfalecimento? Dessa maneira o bom Espírito o teria convencido da intervenção da Providência.” Em primeiro lugar, era para lhe ensinar que era preciso ajudar-se a si mesmo e fazer uso das próprias forças. Depois, pela incerteza, Deus põe à prova a confiança nele e a submissão à sua vontade. Aquele homem estava na situação de uma criança que cai e que, percebendo a presença de alguém, chora e espera que alguém venham levantá-la; mas se não vir ninguém, ela faz esforços e se ergue sozinha.
Se o anjo que acompanhou Tobias lhe tivesse dito: “Eu fui enviado por Deus para te guiar na tua viagem e te preservar de todo perigo”, Tobias não teria tido nenhum mérito; fiando-se no seu companheiro, ele não teria nem mesmo precisado pensar. Foi por isso que o anjo só se deu a conhecer no retorno.
Ação da prece – Transmissão do pensamento
9. A prece é uma invocação; através dela, nós nos colocamos em contato pelo pensamento com o ser a quem nos dirigimos. Ela pode ter como objetivo um pedido, um agradecimento ou uma glorificação. Podemos orar por nós mesmos ou por outros, pelos vivos ou pelos mortos. As preces endereçadas a Deus são recebidas pelos Espíritos encarregados da execução das vontades divinas; as que se dirigem aos bons Espíritos são reportadas a Deus. Quando oramos aos outros seres que não a Deus, é apenas como intermediários, intercessores, pois nada pode ser feito sem a vontade de Deus.
10. O Espiritismo torna compreensível a ação da prece ao explicar o modo de transmissão do pensamento — seja quando o ser a quem oramos atende ao nosso apelo, seja quando o nosso pensamento o alcança. Para entender o que se passa em tal circunstância é preciso imaginar todos os seres — encarnados e desencarnados — mergulhados no fluido universal que ocupa o espaço, assim como neste mundo nós nos encontramos dentro da atmosfera. Esse fluido recebe um impulso da vontade; ele é o veículo do pensamento, como o ar é o veículo do som, com a diferença de que as vibrações do ar são circunscritas, enquanto as do fluido universal se estendem ao infinito. Quando o pensamento é dirigido a um ser qualquer — na Terra ou no Espaço, de encarnado para desencarnado, ou de desencarnado para encarnado — então uma corrente fluídica se estabelece de um para o outro, transmitindo o pensamento como o ar transmite o som.
A energia da corrente é proporcional à energia do pensamento e da vontade. É assim que a prece é recebida pelos Espíritos em qualquer lugar que eles se encontrem; é assim que os Espíritos se comunicam entre si, que eles nos transmitem suas inspirações e que se estabelecem relações à distância entre os encarnados.
Essa explicação é especialmente em vista daqueles que não entendem a utilidade da prece puramente mística; ela não tem por objetivo materializar a prece, mas tornar inteligível o seu efeito, mostrando que ela pode ter uma ação direta e efetiva. Nem por isso ela deixa de estar subordinada à vontade de Deus — juiz supremo em todas as coisas e o único que pode tornar a sua ação eficaz.
11. Pela prece o homem atrai para si o auxílio dos bons Espíritos, que vêm sustentá-lo nas suas boas resoluções e lhe inspirar bons pensamentos; assim, ele adquire a força moral necessária para vencer as dificuldades e voltar ao caminho correto, se estiver afastado dele. E com isso ele também pode desviar de si os males que atrairia pelas suas próprias faltas. Por exemplo, um homem vê sua saúde arruinada pelos excessos que cometeu, e arrasta até o fim de seus dias uma vida de sofrimento; será que ele tem o direito de se queixar, caso não obtenha a cura que deseja? Não, porque ele poderia ter encontrado na prece a força para resistir às tentações.
12. Se dividirmos em duas partes os males da vida, uma delas sendo a dos males que o homem não pode evitar e a outra sendo a parte das tribulações de que ele mesmo é a principal causa, devido ao seu descuido e aos seus excessos (cap. V, item 4), então veremos que esta segunda parte supera e muito o número dos males em relação à primeira. Logo, fica bem evidente que o homem é o autor da maior parte das suas aflições, e que ele se pouparia desses males se agisse sempre com sabedoria e prudência.
Não é menos certo que essas misérias são o resultado das nossas infrações às leis de Deus, e que, se observássemos pontualmente essas leis, nós seríamos perfeitamente felizes. Se não ultrapassássemos o limite do necessário na satisfação das nossas necessidades, não teríamos as doenças que são a consequência dos excessos, nem teríamos as vicissitudes acarretadas por essas doenças. Se colocássemos limites à nossa ambição, nós não temeríamos a ruína; se não quiséssemos subir mais alto do que podemos, não teríamos receio de cair; se fôssemos humildes, não sofreríamos as decepções do orgulho abatido; se praticássemos a lei de caridade, nós não seríamos nem maledicentes, nem invejosos, nem ciumentos, e evitaríamos as querelas e dissensões; se não fizéssemos mal a ninguém, não temeríamos as vinganças etc.
Admitamos que o homem não possa fazer nada com relação aos outros males; que toda prece lhe seja supérflua para se preservar deles; já não seria muito ficarmos livres de todos os males que vêm da nossa própria conduta? Ora, aqui a ação da prece é facilmente concebida, porque ela tem por efeito chamar a inspiração salutar dos bons Espíritos e lhes pedir a força para resistir aos maus pensamentos cuja execução pode ser funesta para nós. Nesse caso, não é o mal que eles afastam; eles apenas nos desviam do mau pensamento que pode causar o mal. Eles não contrariam em nada os decretos de Deus, nem suspendem o curso das leis da natureza; é a nós que eles impedem de infringir essas leis ao orientar o nosso livre-arbítrio. Mas eles fazem isso sem que saibamos, de uma maneira oculta, para não constranger a nossa vontade. O homem se encontra então na posição de alguém que solicita bons conselhos e os põe em prática, mas que é sempre livre para segui-los ou não; Deus quer que seja assim para que o homem tenha a responsabilidade dos seus atos e o mérito da escolha entre o bem e o mal. É isso o que o homem sempre obterá — se pedir com fervor — e ao que podemos aplicar especialmente estas palavras: “Peçam e vocês obterão”.
A eficácia da prece, mesmo reduzida a essa proporção, já não teria um imenso resultado? Estava reservado ao Espiritismo nos provar a ação dela, pela revelação das relações existentes entre o mundo corporal e o mundo espiritual. Mas, seus efeitos não se limitam somente a isso.
A prece é recomendada por todos os Espíritos; renunciar à prece é desconhecer a bondade de Deus, é recusar para si mesmo a sua assistência e, para os outros, é recusar o bem que podemos fazer por eles.
13. Atendendo ao pedido que lhe é endereçado, Deus muitas vezes tem em vista recompensar a intenção, o devotamento e a fé daquele que ora; é por isso que a prece do homem de bem tem mais mérito aos olhos de Deus, e sempre tem mais eficácia, pois o homem vicioso e malvado não pode orar com o fervor e a confiança que só é dado pelo sentimento da verdadeira piedade. Do coração do egoísta, daquele que ora com os lábios, não podem sair mais do que palavras, e não os impulsos de caridade que dão à prece toda a sua pujança. Tanto compreendemos isso que, por um movimento instintivo, preferencialmente nós nos recomendamos às preces daqueles cuja conduta sabemos que deve ser agradável a Deus, porque eles são mais bem atendidos.
14. Se a prece exerce uma espécie de ação magnética, poderíamos crer que o efeito dela está subordinado à força fluídica; porém, não é assim. Já que os Espíritos exercem essa ação sobre os homens, eles suprem, quando isso é necessário, a insuficiência daquele que ora — seja agindo diretamente em seu nome, seja lhe dando momentaneamente uma força excepcional, quando ele é considerado digno desse favor ou quando o objetivo pode ser útil.
O indivíduo que não se considere suficientemente bom para exercer uma influência positiva não deve deixar de orar pelos outros, com a ideia de que não é digno de ser escutado. A consciência da sua inferioridade é uma prova de humildade, sempre agradável a Deus, que leva em conta a intenção caridosa que motiva a pessoa. Seu fervor e sua confiança em Deus já são um primeiro passo rumo ao retorno ao bem, ao qual os bons Espíritos ficam felizes em incentivar. A prece que é rejeitada é aquela do orgulhoso, que tem fé em sua força e em seus méritos, e acha que pode substituir a vontade do Eterno.
15. A força da prece está no pensamento; ela não depende nem das palavras, nem de lugar, nem do momento em que é feita. Portanto, podemos orar em toda parte e a qualquer hora, a sós ou em grupo. A influência do lugar e do horário dependem das circunstâncias que podem favorecer a concentração. A prece em grupo tem uma ação mais poderosa quando todos aqueles que estejam orando se associam de coração a um mesmo pensamento e têm o mesmo objetivo, pois é como se muitos clamassem juntos e em uníssono; mas que importa estar reunidos em grande número de pessoas se cada uma age isoladamente e por conta própria? Cem pessoas reunidas podem orar como egoístas, enquanto duas ou três, unidas por uma mesma aspiração, oram como verdadeiros irmãos em Deus, e sua prece terá mais força do que a das cem outras. (Cap. XXVIII, itens 4 e 5.)
Preces inteligíveis
16. Se eu não entender o que significam as palavras, eu serei um bárbaro para aquele a quem falo, e aquele que me fala será um bárbaro. Se eu oro numa língua que eu não entendo, meu coração ora, mas a minha inteligência fica sem fruto. Se vocês louvam a Deus apenas de coração, como é que um homem do número daqueles que só entendem a sua própria língua responderá amém no fim da ação de graça de vocês, já que ele não entende o que vocês dizem? Não é que a ação de vocês não seja boa, mas que os outros não estão assim edificados. (São Paulo, I Coríntios, 14: 11, 14, 16 e 17)
17. A prece só tem valor pelo pensamento que a ela é agregado; agora, é impossível agregarmos algum pensamento àquilo que não compreendemos, pois aquilo que não compreendemos não pode tocar o coração. Para a imensa maioria das pessoas, as preces numa língua incompreendida não passam de um amontoado de palavras que não dizem nada ao espírito. Para que a prece sensibilize, é preciso que cada palavra desperte uma ideia, mas se não a entendermos, a palavra não pode despertar nenhuma ideia; ela será repetida como simples fórmula que tem uma maior ou menor virtude conforme o número de vezes que ela for repetida. Muitas pessoas oram por dever, outras até mesmo para se adequar aos costumes; é por isso que eles se julgam quites quando dizem uma oração num determinado número de vezes e nessa ou naquela ordem. Deus lê no fundo dos corações; ele percebe o pensamento e a sinceridade, e seria rebaixá-lo acreditar que ele fosse mais sensível à forma do que ao fundo. (Cap. XXVIII, item 2.)
Prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores
18. A prece é solicitada pelos Espíritos sofredores; ela é útil para eles porque, ao verem que nós pensamos neles, eles se sentem menos abandonados, menos infelizes. Mas a prece tem sobre eles uma ação mais direta: desperta a coragem, inspira neles o desejo de se elevar pelo arrependimento e pela reparação, podendo desviá-los do mau pensamento; é nesse sentido que a prece pode não apenas aliviar, mas também abreviar seus sofrimentos. (Veja em O Céu e o Inferno, 2ª parte, Exemplos.)
19. Certas pessoas não admitem a prece pelos mortos, porque, segundo a crença delas, não há para a alma mais do que duas alternativas: ou ser salva ou ser condenada às penas eternas, e que, nos dois casos, a prece é inútil. Sem discutir o valor dessa crença, vamos admitir por um instante a realidade das penas eternas e irremissíveis, e que as nossas preces sejam impotentes para pôr um fim às penas. Perguntamos se, nessa hipótese, seria lógico, caridoso e cristão negar a prece aos condenados? Tais preces, por mais impotentes que fossem para os libertar, não seriam para eles uma demonstração de piedade que poderia aliviar seus sofrimentos? Na Terra, quando um homem é condenado à pena perpétua, mesmo quando não haja nenhuma esperança de obter o perdão para ele, será que é proibido a uma pessoa caridosa ir carregar seus grilhões para aliviá-lo desse peso? Quando alguém é atingido por uma moléstia incurável, deveríamos abandoná-lo sem nenhum lenitivo, só porque ele não tem nenhuma esperança de cura? Lembrem-se de que, entre os réprobos pode haver uma pessoa que já foi querida, um amigo, talvez um pai, uma mãe ou um filho, e, como se diz, porque ele não poderia esperar um perdão, vocês lhe negariam um copo d’água para matar a sede dele? Ou um bálsamo para secar suas chagas? Vocês não fariam por ele o que fariam por um infeliz? Não lhe dariam um testemunho de amor, uma consolação? Não, isso não seria cristão. Uma crença que resseca o coração não combina com a crença de um Deus que coloca o amor ao próximo na primeira ordem dos deveres.
A não eternidade das penas não significa a negação de uma penalidade temporária, porque Deus, na sua justiça, não pode confundir o bem e o mal; ora, neste caso, negar a eficácia da prece seria negar a eficácia da consolação, dos encorajamentos e dos bons conselhos; seria negar a força que colhemos da assistência moral daqueles que nos querem bem.
20. Outros se fundam numa razão mais ilusória: a imutabilidade dos decretos divinos. Deus — dizem esses — não pode modificar suas decisões a pedido de suas criaturas; sem isso, nada seria estável no mundo. logo, o homem não tem nada a pedir a Deus, ele só tem que se submeter e adorá-lo.
Há nessa ideia uma falsa aplicação do princípio da imutabilidade da lei divina, ou melhor, ignorância da lei no que se refere à penalidade futura. Essa lei é revelada pelos Espíritos do Senhor, agora que o homem já está maduro para compreender o que, na fé, é conforme ou contrário aos atributos divinos.
Segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, não é levado em conta em favor do culpado nem os seus remorsos nem o seu arrependimento; para ele, todo desejo de se melhorar é um desperdício: ele está condenado a permanecer no mal perpetuamente. Se ele está condenado por um tempo determinado, a pena cessará quando o tempo tiver expirado; mas quem diz que ele então terá voltado a ter sentimentos melhores? Quem diz que, a exemplo de muitos dos condenados da Terra, ao sair da prisão ele não será tão malvado quanto antes? No primeiro caso, isso seria manter na dor do castigo um homem que retornou ao bem; no segundo, seria agraciar aquele que continua culpável. A lei de Deus é mais previdente do que isso: sempre justa, equitativa e misericordiosa, ela não fixa nenhuma duração para a pena, seja ela qual for; ela se resume assim:
21. “O homem sofre sempre a consequência de suas faltas; não há uma única infração à lei de Deus que não tenha a sua punição.
“A severidade do castigo é proporcional à gravidade da falta.
“Seja qual for a falta, a duração do castigo é indeterminada; ela está subordinada ao arrependimento do culpado e ao seu retorno ao bem; a pena dura tanto quanto a obstinação no mal; ela seria perpétua se a obstinação fosse perpétua; ela é de curta duração se o arrependimento for rápido.
“Desde que o culpado clame misericórdia, Deus o ouve e lhe envia a esperança. Mas o simples remorso do mal não basta: é preciso uma reparação; eis por que o culpado fica submetido a novas provas, nas quais, sempre por sua vontade, ele pode fazer o bem em reparação ao mal que tenha feito.
“Assim, o homem é constantemente o árbitro da sua própria sorte; ele pode abreviar ou prolongar o seu suplício indefinidamente; a sua felicidade ou a sua infelicidade depende da sua vontade de praticar o bem.”
Esta é a lei, lei imutável e conforme à bondade e à justiça de Deus.
Então, o Espírito culpado e infeliz sempre pode se salvar por si mesmo: a lei de Deus lhe diz em que condições pode fazer isso. O que lhe falta na maioria das vezes é vontade, força e coragem; se, por nossas preces, nós lhe inspiramos essa vontade, se o amparamos e o encorajamos; se, pelos nossos conselhos, nós lhe damos as luzes que lhe faltam, em lugar de pedirmos a Deus que derrogue a sua lei, nós nos tornamos instrumentos para a execução de sua lei de amor e de caridade, da qual ele nos permite participar, dando a nós mesmos, uma prova de sua caridade. (Veja em O Céu e o Inferno, 1ª parte, caps. IV, VII, VIII.)
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: Maneira de orar
22. O primeiro dever de toda criatura humana, o primeiro ato que deve assinalar o seu retorno à vida ativa de cada dia, é a prece. Quase todos vocês oram, mas quão poucos são os que sabem orar! Que importam ao Senhor as frases que vocês ligam umas às outras maquinalmente, porque vocês têm isso como um hábito, como um dever que vocês cumprem e que, como qualquer dever, é um peso para vocês.
A prece do cristão, do espírita de qualquer culto que seja, deve ser feita desde logo que o Espírito tenha retomado o jugo da carne; ela deve se elevar aos pés da majestade divina com humildade, com profundeza, num ímpeto de reconhecimento por todos os benefícios recebidos até esse dia; pela noite passada e durante a qual lhes foi permitido, mesmos sem saber disso, voltar para junto dos amigos, dos guias, para haurir no contato com eles mais força e perseverança. A prece deve se elevar humilde aos pés do Senhor, para se aconselhar sobre a própria fraqueza, para lhe pedir apoio, indulgência e misericórdia. Ela deve ser profunda, pois é a alma de vocês que deve se elevar em direção do Criador, que deve se transfigurar como Jesus no Monte Tabor, e para chegar alva e radiosa de esperança e de amor.
A sua prece deve conter o pedido das graças de que vocês têm necessidade, mas de uma necessidade real. Com isso é inútil pedir ao Senhor para abreviar as provações de vocês, para lhes dar alegrias e riquezas; peçam para ele lhes conceder os bens mais preciosos da paciência, da resignação e da fé. Não digam, como acontece com muitos de vocês: “Não vale a pena orar, porque Deus não me atende.” O que é que na maior parte do tempo vocês pedem a Deus? Já pensaram alguma vez em lhe pedir o próprio aperfeiçoamento moral de vocês? Oh, não! Bem poucas vezes! Mas vocês pensam logo em lhe pedir sucesso nos seus negócios terrenos, e depois choram: “Deus não se ocupa conosco; se ele se ocupasse, não haveria tantas injustiças”. Insensatos! Ingratos! Se vocês descessem ao fundo da própria consciência, então encontrariam quase sempre em vocês mesmos o ponto de partida dos males dos quais se queixam. Então, peçam antes de todas as coisas o próprio aprimoramento, e aí verão que torrente de bênçãos e de consolações se derramará sobre vocês. (Cap. V, item 4.)
Vocês devem orar sem cessar, sem que para isso vocês se recolham nos seus santuários ou se lancem de joelhos nas praças públicas. A prece diária é o cumprimento dos seus deveres, sem exceção de nenhum dos deveres, qualquer que seja a natureza deles. Não é um ato de amor a Deus socorrer os irmãos numa necessidade qualquer, moral ou física? Não é um ato de reconhecimento elevar a ele o próprio pensamento quando uma felicidade se realiza para vocês, quando um acidente é evitado, quando até uma simples contrariedade os sensibiliza, se vocês dizem em pensamento: Bendito seja, meu Pai!? Não é um ato de contrição se humilharem diante do juiz supremo, quando vocês sentem que faliram, nem que fosse só por um pensamento fugaz, para lhe dizerem: Perdoe-me, meu Deus, porque eu pequei (por orgulho, por egoísmo ou por falta de caridade); dê-me a força para não falir de novo e coragem para reparar minha falta!?
Isso independe das preces regulares da manhã, da noite e dos dias consagrados; mas como vocês podem ver, a prece pode ser feita em todos os instantes, sem trazer nenhuma interrupção aos seus trabalhos; dita assim, por sua vez, ela santifica os trabalhos. E fiquem bem certos de que um só desses pensamentos — partindo do coração — é mais percebido pelo seu Pai celestial do que as longas orações ditas por hábito, frequentemente sem causa determinante e às quais a hora convencional os chama maquinalmente. (Pr. Monod, Bordeaux, 1862)
Felicidade que a prece proporciona
23. Venham, vocês que desejam crer: os Espíritos celestes acorrem a vem lhes anunciar grandes coisas. Deus, meus filhos, abre seus tesouros para lhes dar todos os seus benefícios. Homens incrédulos! Ah, se vocês soubessem o quanto a fé faz bem ao coração e o quanto ela leva a alma ao arrependimento e à prece! Ah, a prece! Como são tocantes as palavras que saem da boca na hora em que oramos! A prece é o orvalho divino que destrói o calor excessivo das paixões; filha primeira da fé, ela nos envolve na senda que conduz a Deus. No recolhimento e na solidão, vocês estão com Deus; para vocês, nada de mistérios: eles são desvendados para vocês. Apóstolos do pensamento, para vocês é vida; sua alma se desprende da matéria e rola por esses mundos infinitos e etéreos que os pobres humanos desconhecem.
Sigam em frente! Sigam pelas sendas da prece e vocês escutarão as vozes dos anjos. Que harmonia! Já não são mais o ruído confuso e os sons estridentes da Terra; são as liras dos arcanjos; são as vozes doces e suaves dos serafins, mais delicadas do que as brisas da manhã, quando elas brincam na folhagem dos seus grandes arvoredos. Quantas delícias, esses pelas quais vocês caminham! As línguas desse mundo não poderão definir essa felicidade e o quanto ela entrará por todos os poros, o quanto é viva e refrescante a fonte da qual bebemos enquanto oramos! Doces vozes, inebriantes perfumes que a alma escuta e saboreia quando se lança nessas esferas desconhecidas e habitadas pela prece! Livres dos desejos carnais, todas as aspirações são divinas. Então, vocês também, orem como Cristo levando sua cruz do Gólgota, rumo ao Calvário; carreguem a sua cruz e vocês sentirão as doces emoções que passavam na sua alma, conquanto carregada de uma madeira infame; ele ia morrer, mas para viver a vida celeste na morada de seu Pai.
SANTO AGOSTINHO (Paris, 1861)
